O suicídio é um dos temas mais silenciados de todas as culturas. Logo ele, que precisa ser alardeado como um perigo sutil, ameaçador e mais presente do que se pensa. A sociedade, em sua ânsia por esconder as feridas, prefere a mudez ao invés do grito de socorro. É uma escolha que nos condena a uma ignorância perigosa, onde o abismo entre a vida e o seu fim é tratado como um assunto de vergonha, sussurrado em cantos escuros e nunca iluminado pelo sol da realidade.

O mundo moderno é muito traiçoeiro e, na apologia à vida, rende tributos à eterna juventude, aos físicos modelados, às roupas e apetrechos que escondem nossa inefável caminhada para o fim. Fim e finitude se trançam, produzindo narrativas que enfeitiçam a vida como se ela fosse eterna. Mas eis que chega setembro e nos faz lembrar que sabemos de casos dramáticos, de situações difíceis, de amigos, vizinhos, parentes que segredam histórias. E que histórias!…

Filósofo sul-coreano Byung-Chul Han

A “sociedade do desempenho”, tão bem descrita pelo filósofo Byung-Chul Han, nos impõe uma pressão implacável. Somos, a todo instante, bombardeados com a ideia de que a felicidade é um estado de espírito a ser alcançado por meio do sucesso e da produtividade. O “eu posso” do empreendedorismo se transforma em um “eu devo”, e a ausência de sucesso vira uma falha pessoal. Nesse cenário, não há espaço para a tristeza, para o fracasso ou para a vulnerabilidade. A dor mental é vista como uma fraqueza a ser escondida, não uma condição a ser tratada com a mesma seriedade de uma doença física. O sorriso forçado da foto perfeita no Instagram é o véu que cobre uma dor que a vida real se recusa mostrar.

A finitude, o conceito filosófico da nossa mortalidade natural, é algo que a humanidade sempre tentou negociar. No entanto, o fim, na sua forma mais trágica, é uma porta que a sociedade tenta trancar e esquecer. O filósofo francês Albert Camus, em seu livro O Mito de Sísifo, pontificou: “Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio”. Para ele, decidir se a vida vale a pena ser vivida é a questão fundamental. A modernidade, com seu culto ao otimismo e à eterna juventude, tenta nos convencer de que a vida sempre vale a pena, ignorando as vozes que, no silêncio, pedem socorro. Ao negar a complexidade da dor humana, criamos uma máscara social que impede o diálogo e aprisiona aqueles que se sentem perdidos.

Setembro chega, trazendo consigo a cor do luto e do alerta. O “Setembro Amarelo” é mais do que uma campanha; é um grito coletivo contra o silêncio ou a apatia medrosa. É o momento em que somos convidados a tirar a poeira das histórias que guardamos em segredo. De repente, nos lembramos daquele vizinho que tinha tudo, mas a solidão pesou mais que a riqueza. Do parente que, com um sorriso, escondia o desespero de um luto não superado. Do amigo que falava sobre a vida com uma lucidez assustadora, como se estivesse se despedindo em cada palavra. Do artista ou celebridade que soube mascarar a dor insuportável. Essas são as narrativas que a apologia à vida eterna não quer que a gente veja. São os casos que desvendam a fragilidade da nossa existência, a vulnerabilidade que, de tão negada, se transforma em tragédia.

A grande luta do “Setembro Amarelo” não é apenas contra a morte, mas contra a negação da dor. É sobre permitir que a tristeza e o desespero existam sem julgamento. É sobre aprender a ouvir, a olhar nos olhos, a perguntar “como você realmente está?” sem medo da resposta. É sobre entender que, por trás da fachada de força, existe um ser humano com cicatrizes invisíveis, com batalhas que não aparecem nas redes sociais. A compaixão e a empatia são as únicas armas contra a solidão que o mundo moderno nos impõe.

Quando falamos sobre suicídio, estamos dizendo da vida. Estamos ponderando sobre a importância de ser visto, de ser compreendido, de ser amado incondicionalmente. O que nos salva do abismo não são os bens materiais, a eterna juventude ou o sucesso profissional, mas sim o vínculo humano, a presença que desarma a solidão e o amor que nos lembra da nossa própria dignidade. Se a modernidade esconde nossa finitude, o diálogo sobre o suicídio a expõe, mas não como algo a ser temido, e sim como a condição humana que nos convoca a sermos mais presentes, mais atentos e mais humanos uns com os outros. A vida pode não ser eterna, mas a conexão que construímos uns com os outros é o legado que nos protege da escuridão.