Jen Easterly (foto), diretora da Agência de Segurança Cibernética e de Infraestrutura durante o governo Biden, teve a nomeação para um cargo de professora sênior na Academia Militar dos EUA em West Point revogada
[E a] Demissão da chefe do Departamento de Estatística do Trabalho deixa evidente como o caráter corrupto de Trump é um problema para toda a nação
De todas as coisas terríveis que Donald Trump disse e fez como presidente, a mais perigosa aconteceu na sexta-feira, 1.º. Trump, na prática, ordenou que nosso escritório governamental de estatísticas econômicas confiável e independente se tornasse uma mentira tão grande quanto ele.
Trump demitiu Erika McEntarfer, a chefe do Departamento de Estatísticas do Trabalho, por trazer notícias econômicas das quais ele não gostava. Nas horas seguintes, a segunda coisa mais perigosa aconteceu: todos os funcionários mais responsáveis pela gestão da economia no governo Trump — pessoas que em seus negócios privados nunca teriam pensado em demitir um subordinado que lhes trouxesse dados financeiros dos quais não gostassem — embarcaram na viagem.
Trump demitiu Erika McEntarfer, chefe do Departamento de Estatísticas do Trabalho
Em vez de dizer a Trump: “Presidente, se o senhor não reconsiderar essa decisão — se o senhor demitir a principal estatística do departamento trabalhista porque ela lhe trouxe más notícias econômicas — como alguém no futuro confiará nesse gabinete quando ele der boas notícias?”, eles imediatamente defenderam Trump.
Como destacou o The Wall Street Journal, a secretária do Trabalho Lori Chavez-DeRemer foi à Bloomberg TV na sexta-feira de manhã e declarou que, embora o relatório de empregos ser divulgado tenha sido revisado para baixo em maio e junho, “vimos um crescimento positivo no emprego”. Mas ao receber a notícia, horas depois, de que Trump havia demitido a diretora que se reporta a ela, Lori escreveu no X: “Concordo plenamente com @POTUS [Presidente dos EUA] que nossos números de empregos devem ser justos, precisos e nunca manipulados para fins políticos”.
Como o The Journal perguntou: “Então os dados de empregos que eram ‘positivos’ pela manhã foram manipulados à tarde?”. Claro que não.
Ao ouvir o que Trump havia feito, tive um flashback. Era janeiro de 2021, e tinha acabado de ser noticiado que Trump, após perder a eleição de 2020, havia tentado pressionar o secretário de Estado republicano da Geórgia a “encontrar” votos suficientes para ele — exatamente 11.780, disse Trump — para anular a eleição presidencial e até o ameaçou com “um crime” se não o fizesse. A pressão ocorreu durante uma ligação telefônica de uma hora, de acordo com uma gravação de áudio da conversa.
A diferença, porém, é que naquela época havia algo chamado de funcionário republicano íntegro. E, portanto, o secretário de Estado da Geórgia não concordou em fabricar votos que não existiam. Mas essa espécie de funcionário republicano parece ter sido completamente extinta no segundo mandato de Trump. Portanto, o caráter corrupto de Trump agora é um problema para toda a nossa economia.
No futuro, quantos burocratas do governo ousarão passar más notícias sabendo que seus chefes — pessoas como o secretário do Tesouro, Scott Bessent, o diretor do Conselho Econômico Nacional, Kevin Hassett, a secretária do Trabalho, Chavez-DeRemer, e o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer — não só deixarão de defendê-los, mas também os oferecerão em sacrifício a Trump para se manter nos cargos?
É vergonhoso para todos eles — especialmente para Bessent, um ex-gestor de fundos de Hedge, macaco velho do mercado de capitais e que não interveio. Covarde. Como a antecessora de Bessent, Janet Yellen, ex-secretária do Tesouro e também ex-presidente do Banco Central (FED, na sigla em inglês) — e uma pessoa com verdadeira integridade — disse ao meu colega do The New York Times, Ben Casselman, sobre a demissão de Erika McEntarfer: “Este é o tipo de coisa que você só esperaria ver em uma república das bananas”.
Donald Trump está contribuindo para a desmoralização econômica dos EUA
É importante saber como os estrangeiros encaram isso. Bill Blain, um estrategista do mercado de capitais e fundador da Wind Shift Capital, assessoria de investimentos sediada em Londres, que publica uma newsletter popular entre especialistas do mercado, a Blain’s Morning Porridge, escreveu na segunda-feira: “Sexta-feira, 1º de agosto, pode entrar para a história como o dia em que o mercado de títulos do Tesouro dos EUA morreu. Ler dados americanos era uma arte. Baseava-se na confiança. Agora quebrou-se a confiança — e se você não pode confiar nos dados, em que pode confiar?”.
Em seguida, ele imagina como escreveria a newsletter em maio de 2031. Começaria com “um link para um comunicado do Ministério da Verdade Econômica de Trump, antigo Tesouro dos EUA: ‘Sob a liderança do presidente Trump, a economia americana continua a crescer em velocidade recorde. Dados de folha de pagamento do Ministério da Verdade, uma subsidiária da Truth Social [a rede social de Trump], mostram pleno emprego em todos os EUA. As tensões nos centros urbanos nunca estiveram tão baixas. Todos os recém-formados encontraram empregos bem remunerados no crescente setor industrial dos EUA, fazendo com que muitas grandes empresas da Trump Inc. relatassem escassez significativa de mão de obra.’”
Se você acha isso absurdo, não está acompanhando as notícias sobre política externa, porque esse tipo de tática — a adaptação de informações para atender às necessidades políticas de Trump — já foi utilizada no campo da inteligência.
Em maio, a diretora nacional de inteligência, Tulsi Gabbard, demitiu dois altos funcionários da inteligência, responsáveis por supervisionar um relatório que contradizia as afirmações de Trump de que a gangue Tren de Aragua operava sob a direção do regime venezuelano.
A avaliação deles minou a duvidosa justificativa legal invocada por Trump — a raramente utilizada Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798 — para permitir que os supostos membros do grupo criminoso fossem expulsos do país sem o devido processo legal.
E agora essa tendência de autocensura se espalha para outros setores do governo.
Uma das principais especialistas em segurança cibernética dos Estados Unidos, Jen Easterly, diretora da Agência de Segurança Cibernética e de Infraestrutura durante o governo Biden, teve a nomeação para um cargo de professora sênior na Academia Militar dos EUA em West Point revogada na semana passada pelo Secretário do Exército Daniel Driscoll depois que Laura Loomer, uma teórica da conspiração de extrema direita, postou que Easterly era uma espiã da era Biden.
Jen Easterly cursou a West Point
Leia a frase novamente, bem devagar. O secretário do Exército, agindo sob a orientação de uma acólita abilolada de Trump, revogou a nomeação como professora de — qualquer um lhe dirá — uma das cyberwarriors apartidárias mais habilidosas dos Estados Unidos, ela própria formada em West Point.
E quando terminar de ler, leia a resposta de Easterly no LinkedIn: “Como uma independente de longa data, servi nossa nação em tempos de paz e em combate sob governos republicanos e democratas. Liderei missões no país e no exterior para proteger todos os americanos de terroristas cruéis… Trabalhei toda a minha carreira não como partidária, mas como patriota — não em busca de poder, mas a serviço do país que amo e em lealdade à Constituição que jurei proteger e defender, contra todos os inimigos”.
E então ela acrescentou este conselho aos jovens de West Point que ela não terá a honra de ensinar: “Todos os membros da Longa Linha Cinzenta [referência aos laços únicos que vinculam as gerações de oficiais formados em West Point, e à cor do uniforme dos cadetes da instituição] conhecem a Oração dos Cadetes. Ela pede que ‘escolhamos o certo mais difícil em vez do errado mais fácil’. Essa frase — tão simples, mas tão poderosa — tem sido minha estrela-guia por mais de três décadas. Em salas de reuniões e salas de guerra. Em momentos silenciosos de dúvida e em atos públicos de liderança. O certo mais difícil nunca é fácil. E esse é o ponto”.
Essa é a mulher que Trump não quer ver ensinando à nossa próxima geração de combatentes.
E essa ética — sempre escolher o certo mais difícil em vez do errado mais fácil — é a ética que Bessent, Hassett, Chavez-DeRemer e Greer desconhecem — sem mencionar o próprio Trump.
Por isso, caro leitor, embora eu seja um otimista congênito, pela primeira vez acredito que, se o comportamento demonstrado por este governo apenas nos primeiros seis meses continuar e se intensificar ao longo dos seus quatro anos, os Estados Unidos que você conhece desaparecerão. E não sei como os recuperaremos.
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Thomas Friedman é colunista de assuntos internacionais do The New York Times e ganhador de três prêmios Pulitzer. É autor de sete livros, entre eles ‘De Beirute a Jerusalém’, que venceu o Prêmio Nacional do Livro
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