Para Suzana Lopes Salgado Ribeiro

Ser velho professor é ter a alma marcada pelo compasso lento e sagrado da educação. Foram décadas entregues ao ofício mais essencial do mundo, e no fundo de mim sei que não saberia ser outra coisa na vida. Se hoje meu coração se enche de gratidão pelos meus alunos – centenas de rostos que se tornaram adultos e seguiram seus caminhos, alguns até para a área do ensino –, neste Dia dos Professores, toda a minha visão se volta para aqueles que me legaram a própria vocação: meus velhos mestres.

Nunca me ajustei ao termo “mestre”. A palavra reverência exagerada me soa quase paródia. Mas, ao juntar as pontas de minha jornada, percebo que meus professores faziam parte de algo maior, uma verdadeira linhagem de mediadores do futuro. Eles não foram apenas funcionários; eram seres singularíssimos que conseguiam, com a força de sua personalidade, provocar um deslumbramento genuíno nos estudantes.

Sobre eles, construíamos mitologias. Lembro-me de uma professora de Literatura, que usava echarpes dramáticas como se estivesse sempre prestes a subir ao palco. Recordo-me do professor de História, com seus cabelos empastados de brilhantina e uma frieza amedrontadora, como se os fatos do passado estivessem sob julgamento de hoje. E como esquecer do professor de Matemática, que parecia medir o apocalipse em números e fórmulas? Aliás, esse professor padeceu a fatalidade de um ataque mortal em plena aula. Eram todos eternizados por seus cigarros, seus gestos enfáticos, tiques, roupas que se tornavam a marca de uma alma única. Foram seres distintos em uma época em que ser singular era, paradoxalmente, a regra de ouro da autenticidade. E dávamos apelidos deliciosos, declinávamos lendas e eles se consagravam em nosso imaginário.

Minha geração de professores, porém, viu essa graça se esvair. De repente, todos pareciam ter perdido suas marcas exóticas: o mesmo corte de cabelo funcional, os mesmos olhares comedidos, a roupa sem história. Perdeu-se a deliciosa e produtiva excentricidade. Contudo, éramos ainda, à nossa maneira, faróis alongados, pois a missão nos envolvia em um halo de propósito presencial e intransferível.

A diferença mais crucial entre meus mestres e o que se exigiu da minha geração residia na alma da pedagogia. Eles não estavam obcecados em nos preparar para o capitalismo exigente de profissionais capacitados. Eles eram, acima de tudo, humanistas. Preocupavam-se menos em nos transformar em máquinas eficientes e mais em nos forjar como cidadãos íntegros. A nota era um detalhe lateral; a formação do caráter, a prioridade absoluta.

Nossa geração, porém, assistiu à ascensão do vestibular ao posto de meta suprema. A seriação de aprovados passou a reger o valor das escolas. A educação virou uma corrida de campeões, e o professor, um mero treinador. Foi a grande quebra de encanto que testemunhei: o saber deixou de ser um fim em si mesmo para se tornar uma ferramenta para vencer o outro, para chegar primeiro, para ser líder a qualquer custo.

Mas, é ao voltar minha lente analítica ao presente que a nostalgia se torna uma dor física. Vejo o professor de hoje, em sua maioria, desprestigiado e mal pago, perdedor de sua luz natural, compelido a uma uniformidade desesperançosa. A luta pela sobrevivência, pela carga horária extra e pela burocracia excessiva, os aproxima em uma irmandade sem charme. O ofício perdeu sua aura social e é, hoje, mais heroico do que poético.

E então, fecho os olhos e vejo meus velhos mestres. Sinto o calor de sua paixão, a firmeza de seu propósito. Imagino os professores deles, talvez ainda mais austeros, mas igualmente movidos por uma fé inabalável no poder da educação. O que nos unia, e o que eles me deixaram, não foi um método, mas uma chama imaterial: o entendimento de que educar é um ato de resistência contra a mediocridade e o pragmatismo vazio.

Eles me ensinaram que a verdadeira vocação está em provocar, em incomodar, em desorganizar a certeza dos jovens para que eles construam um pensamento crítico. Hoje, enquanto celebro a data, não lamento o tempo que passou, mas a perda de um modelo onde o professor era, acima de tudo, um indivíduo livre, cuja dedicação era o reflexo de um valor inestimável dado à sua missão.

Nesta homenagem silenciosa, sinto que o único legado que posso honrar é prosseguir a busca daquela graça perdida, aquela faísca de originalidade que fazia de cada aula um evento e de cada mestre, um ser inesquecível. É na memória dos nossos velhos mestres que encontro a coragem para acender a luz da dignidade em um presente que insiste em ofuscá-la.