Estranho
voltar a Bogotá depois de cerca de quarenta anos.
Muito esdrúxulo este sentimento que mistura curiosidade,
apreensão e ensinamentos. Lembro-me de ter visitado
a polêmica capital da Colômbia quando ainda
era jovem e, então, ansiava por conhecer os segredos
da prometedora nuestra América.
A crença no futuro latino-americano compunha os mais
belos sonhos daquele então jovem de vinte e poucos
anos. Eram devaneios calibrados pela lógica de esquerda
que animava corações esperançados,
principalmente os de cunho revolucionário. O mundo
haveria de ser melhor, mais justo, e tudo fazia crer re-começos
a partir de nosso continente.
O tempo passou e junto com o trágico enredo de desventuras
propôs para a Colômbia um espaço horrível
de ameaças, lutas, surgimento de grupos guerrilheiros
e envolvidos pelos “narcos”. Enfim, nada do
que projetava como destino se lhe ocorreu.
Reverso disso, um lugar conturbado – talvez dos piores
da América. Ali afloraram os cartéis que disseminaram
a droga e com ela a Colômbia mostrou suas garras envenenadas,
marca de um país que entranhava alguns dos piores
bandidos. Não voltei mais à Colômbia
até agora e aqui tenho que constatar que os colombianos
conseguiram virar a página inglória de uma
sociedade fadada ao inferno.
Um generoso convite para ministrar um breve curso na Universidade
Nacional de Colombia me trouxe de volta. Certo de que a
maior virtude dos colombianos jamais estaria perdida, a
cortesia de ex-alunos me arrebatou e fez inevitável
a aceitação. Logo fui avisado de que deveria
me preparar para as famosas “revisas”, ou seja,
revistas que implicam abrir as pastas, deixar ver os bolsos.
Desde que cheguei, ainda no aeroporto, depois da saída
da imigração, fui convidado a mostrar tudo
o que tinha. Fiz com boa vontade, mas apreensão.
Afinal, que significaria aquilo? Tudo ficou mais fácil
quando vi muitas pessoas, descontraidamente, cumprindo uma
ordem que é fundamental para a recuperação
da paz e combate às drogas. E com bom humor!
Logo também fui informado de que ao entrar no hotel,
nova revisa seria efetuada e que todos passavam pelo mesmo
processo. Verdade. Confesso que em poucos dias senti naturalidade
nesse procedimento. Ao ver o resultado – a diminuição
dos índices criminais, a coesão popular em
um projeto de recuperação social de vida –
aderi com entusiasmo. Passei a prestar mais atenção
a tudo. Foi importante, por exemplo, notar que aqui não
mais há imunidades parlamentares e que todos –
até o presidente – passam pelos mesmos critérios
de julgamento.
Além da alegria de ver um país empenhado na
busca do progresso, vivo uma Colômbia que celebra
os 80 anos de Gabriel Garcia Marques e os 40 anos da publicação
do formidável “Cem anos de solidão”.
Ontem, fui ao Estádio Nacional assistir ao jogo da
seleção do Paraguai X Colômbia. Foi
um espetáculo. Pude entender na alegria da torcida
o convívio com um programa de educação
geral tendo em vista o estabelecimento de uma nova etapa
nacional. O controle da violência conjugado com a
perseguição aos cartéis de drogas faz
com que seja possível sonhar hoje com a matéria
idílica de meus jovens anos que buscavam na Colômbia
o sonho de “nuestra América”.