Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

MARTA, A DONA DA BOLA...

Apaixonado por histórias humanas que expressam a saga daqueles que vivem, crescem e lutam no andar de baixo, mestre JC Sebe faz questão de lembrar o caso da jovem alagoana que foi eleita melhor jogadora de futebol do planeta Terra em 2007.


Os jornais estamparam o nome dela como Marta. Simplesmente Marta, sem “th” e sequer seu sobrenome é explorado. Marta. Suas antecessoras no prêmio “A melhor jogadora de futebol do mundo” são reconhecidas pelo registro integral, nome e sobrenome: 2001 e 2002: Mia Hamm (EUA); 2003, 2004 e 2005: Birgt Prinz (ALE), mas, finalmente em 2006 temos ela, a nossa Marta, que não é Rocha e nem está na novela da Globo. Mas isso não faz mal e nem atrapalha o brilho da brasileirinha, alagoana, de apenas 20 anos, 1,61m. E que história a dela?! Meu Deus...


Permitam-me dizer que o traço que me é mais marcante dessa nordestina porreta é sua capacidade de chorar em público. Não é choro de miss, nem de menininha mimada, frágil e chegada a dengos. Não. É emoção de quem pegou o destino pelas mãos e aprendeu a chutar bola para frente como quem sabe a direção do gol da vida. E goleou o destino.


Começo pelas lágrimas para reconhecer a valentia de quem passou fome, viu a condição familiar chegar ao andar mais baixo da escala social e acaba na Suécia, reconhecida, aclamada e sorrindo com um troféu na mão. O irônico dessa saga é que ela é campeã absoluta de uma modalidade de jogo que é, no Brasil, infelizmente, tramado em searas da masculinidade absoluta. Pois é, exatamente onde jogar bola é coisa de homem que uma representante do chamado sexo frágil se provou a melhor do mundo. Mais ironia: isso se deu quando nosso futebol – essa coisa que tanto nos extenua e apraz – anda ainda curtindo a ressaca da Copa do último ano.


Nascida em Dois Riachos, a 186 quilômetros de Maceió, a então menina de 14 anos teve que sair de casa para dar talhe ao sonho que a nutria desde garotinha: jogar bola. Filha de pais zelosos, seus irmãos a vigiavam a fim de coibi-la de jogos e protegê-la contra os cabras-macho que eram detentores do direito cultural de jogar futebol. Ela subverteu essa ordem e se impôs. Sua opção por morar no Rio de Janeiro, porém, não foi compatível com a imensa massa de gente que deixava o mesmo nordeste para tentar a vida no “sul maravilha”.


Afiliada ao Vasco da Gama, exercitou a opção esportiva com olhos profissionais e assim rompia mais um tabu nacional: mulher ganhando a vida jogando bola em um país onde apenas os homens tinham tal privilégio. A troca de Dois Rios por um Rio de Janeiro, lhe abriu outra possibilidade e dessa feita Belo Horizonte a recebeu. E lá brilhavam, porém em um céu fosco para atletas, mulheres, que jogavam bola. Foi-lhe uma dádiva o fato do futebol feminino ter crescido fora de nossas fronteiras.


A aceitação para compor a lista dos esportes olímpicos fez do futebol internacional uma porta aberta para que a mocinha do sertão paraibano saísse para conquistar o mundo. E a Grécia serviu de cenário perfeito para sua arte/profissão. Foi contratada e ficou pela Europa que a reconheceu logo. E que carreira fez! Medalha de prata nos jogos de Atenas de 2004 foi apontada como a melhor jogadora da temporada e agora, já estabelecida e respeitada na Suécia, foi escolhida em campanha organizada pela FIFA, por uma equipe composta de 147 técnicos do mundo e outros 147 capitães de times campeões como “a melhor do mundo”. E devemos nos pasmar, pois venceu com vantagem larga (475 votos) a segunda concorrente, a norte-americana Kristine Lilly (388 votos) e Renate Lindor, da Alemanha (305 votos).


Além da capacidade de chorar em público, há algo mais nessa moça que nos chama a atenção: a persistência. Não só teve fibra para retraçar seu caminho, mas também, e sobretudo, soube galgar o posto que tanto nos enche de orgulho. Segundo consta, ao ficar em terceiro lugar na escolha das melhores de 2004, soube esperar o ano seguinte e em 2005 teria dito que se ficou em segundo, no próximo ano, em 2006 chegaria em primeiro. Não deu outra.

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