Os
jornais estamparam o nome dela como Marta. Simplesmente
Marta, sem “th” e sequer seu sobrenome é
explorado. Marta. Suas antecessoras no prêmio “A
melhor jogadora de futebol do mundo” são reconhecidas
pelo registro integral, nome e sobrenome: 2001 e 2002: Mia
Hamm (EUA); 2003, 2004 e 2005: Birgt Prinz (ALE), mas, finalmente
em 2006 temos ela, a nossa Marta, que não é
Rocha e nem está na novela da Globo. Mas isso não
faz mal e nem atrapalha o brilho da brasileirinha, alagoana,
de apenas 20 anos, 1,61m. E que história a dela?!
Meu Deus...
Permitam-me dizer que o traço que me é mais
marcante dessa nordestina porreta é sua capacidade
de chorar em público. Não é choro de
miss, nem de menininha mimada, frágil e chegada a
dengos. Não. É emoção de quem
pegou o destino pelas mãos e aprendeu a chutar bola
para frente como quem sabe a direção do gol
da vida. E goleou o destino.
Começo pelas lágrimas para reconhecer a valentia
de quem passou fome, viu a condição familiar
chegar ao andar mais baixo da escala social e acaba na Suécia,
reconhecida, aclamada e sorrindo com um troféu na
mão. O irônico dessa saga é que ela
é campeã absoluta de uma modalidade de jogo
que é, no Brasil, infelizmente, tramado em searas
da masculinidade absoluta. Pois é, exatamente onde
jogar bola é coisa de homem que uma representante
do chamado sexo frágil se provou a melhor do mundo.
Mais ironia: isso se deu quando nosso futebol – essa
coisa que tanto nos extenua e apraz – anda ainda curtindo
a ressaca da Copa do último ano.
Nascida em Dois Riachos, a 186 quilômetros de Maceió,
a então menina de 14 anos teve que sair de casa para
dar talhe ao sonho que a nutria desde garotinha: jogar bola.
Filha de pais zelosos, seus irmãos a vigiavam a fim
de coibi-la de jogos e protegê-la contra os cabras-macho
que eram detentores do direito cultural de jogar futebol.
Ela subverteu essa ordem e se impôs. Sua opção
por morar no Rio de Janeiro, porém, não foi
compatível com a imensa massa de gente que deixava
o mesmo nordeste para tentar a vida no “sul maravilha”.
Afiliada ao Vasco da Gama, exercitou a opção
esportiva com olhos profissionais e assim rompia mais um
tabu nacional: mulher ganhando a vida jogando bola em um
país onde apenas os homens tinham tal privilégio.
A troca de Dois Rios por um Rio de Janeiro, lhe abriu outra
possibilidade e dessa feita Belo Horizonte a recebeu. E
lá brilhavam, porém em um céu fosco
para atletas, mulheres, que jogavam bola. Foi-lhe uma dádiva
o fato do futebol feminino ter crescido fora de nossas fronteiras.
A aceitação para compor a lista dos esportes
olímpicos fez do futebol internacional uma porta
aberta para que a mocinha do sertão paraibano saísse
para conquistar o mundo. E a Grécia serviu de cenário
perfeito para sua arte/profissão. Foi contratada
e ficou pela Europa que a reconheceu logo. E que carreira
fez! Medalha de prata nos jogos de Atenas de 2004 foi apontada
como a melhor jogadora da temporada e agora, já estabelecida
e respeitada na Suécia, foi escolhida em campanha
organizada pela FIFA, por uma equipe composta de 147 técnicos
do mundo e outros 147 capitães de times campeões
como “a melhor do mundo”. E devemos nos pasmar,
pois venceu com vantagem larga (475 votos) a segunda concorrente,
a norte-americana Kristine Lilly (388 votos) e Renate Lindor,
da Alemanha (305 votos).
Além da capacidade de chorar em público, há
algo mais nessa moça que nos chama a atenção:
a persistência. Não só teve fibra para
retraçar seu caminho, mas também, e sobretudo,
soube galgar o posto que tanto nos enche de orgulho. Segundo
consta, ao ficar em terceiro lugar na escolha das melhores
de 2004, soube esperar o ano seguinte e em 2005 teria dito
que se ficou em segundo, no próximo ano, em 2006
chegaria em primeiro. Não deu outra.