Oscar V. Sachs Jr.


Meu amigo Stipp

O jornalista Paulo José Stipp, do Diário de Taubaté, falecido neste mês, recebe uma homenagem sincera de Oscar Sachs, que nos convida a conhecer um pouco da história entre os dois amigos.


Pois é, meu amigo Paulo José Stipp atravessou o portão pro lado de lá. Eu o conheci por volta de 1974, quando a obra da Volks em Taubaté ia a pleno vapor, correndo às mil maravilhas, até que um pequeno detalhe nos encostou na parede: a meningite atacou em cheio, entre cerca de três mil trabalhadores de repente muitos começaram a apresentar sintomas da doença que o governo militar proibia que fosse divulgada, Em vez da meningite, receitas de bolo e pedaços dos Lusíadas de Camões. Ou seja, São Paulo enfrentava uma feroz epidemia de meningite, mas a censura, burra como toda censura, proibia qualquer notícia a respeito.


Na obra da Volks em Taubaté, se não me engana a memória, morreram 14 trabalhadores, que de repente não conseguiam ir ao trabalho, eram removidos para o hospital e em poucas horas engrossavam as estatísticas.
Tomamos algumas providências imediatas. A primeira foi fazer abrir janelas nos alojamentos dos trabalhadores da obra, quartos infectos onde em beliches de três eles viviam uma vida subhumana, em que todas as condições privilegiavam o contato com a doença maldita. Conseguimos fazer aprovar, com relutância, duas kombis para o serviço do Hospital Santa Isabel (hoje, o Hospital Universitário), para o transporte de doentes e tudo o mais que precisasse ser removido.


Planejada em São Bernardo, sob comando do Dr. Ruy Braga, do Dr. Domício dos Santos e do Dr. Jomar Dal Moro, com participação de um dos chefes da Segurança, o Cel. Eugênio Martins Ramos, meu querido amigo, ex-febiano, foi organizada a Operação Minomax, nome de um antibiótico que, se aplicado a toda aquela população, teoricamente eliminaria todos os vetores de novas contaminações.


Num determinado dia, impedimos a saída de qualquer operário das obras e ministramos a todos eles os comprimidos do antibiótico. Houve reações negativas (muitos se negavam a tomar o remédio, ou tentavam esconder os comprimidos, afirmando que já tinham engolido; o Dr. Jomar era craque em descobri-los).


Com algum abuso de autoridade (quem leu sobre a Revolta da Vacina, contra Oswaldo Cruz, sabe do que estou falando), conseguimos que nenhum outro caso de meningite atingisse o complexo da construção da Volks em Taubaté.


E tínhamos conseguido, também, que ninguém da imprensa soubesse da Operação, o que poderia nos colocar em problemas naqueles dias sombrios.
De repente alguém me chama e diz que um repórter de Taubaté estava na portaria e queria mais informações sobre o que estava acontecendo. Quem é o cara? - perguntei. Um jornalista que escreve para o Estadão, me responderam. Pensei um pouco e decidi deixar entrar, fazer o quê. Eis que me aparece o Stipp, com aquele jeitão de funcionário público, paletó e gravata. E respondi a ele todas as perguntas que fez. Eu vi depois a reportagem, acho que não saiu no Estadão [porque ali] a censura era braba, mas no Diário de S. Paulo, e era um relato fiel e muito equilibrado de tudo que estava acontecendo. Eu passei a admirar o jornalista.


Assim conheci o Stipp. Tempos depois nos encontramos, diversas vezes. Uma ocasião ele estava com a máquina impressora quebrada e me pediu socorro. Com ajuda de alguns engenheiros que trabalhavam comigo, a máquina foi posta a funcionar. Djalma Castro é testemunha deste episódio. Mais tarde, queriam saber como debitavam aquelas horas gastas: “Põe em Relações Públicas”, chutei eu, e ninguém reclamou.


Stipp me indicou um de seus filhos para uma vaga de estagiário na Volks. Depois de algum tempo o pessoal do setor queria mais estagiários como aquele, pela qualidade do trabalho e pelo caráter. Um dos choques da minha vida foi descobrir, alguns anos depois, que aquele menino, já homem feito, tinha caído morto dentro do banheiro, provavelmente um infarto fulminante. Ouvir o Stipp me contar isso foi um momento muito triste de nossas vidas, nós dois choramos. Eu pedi e com ele minha filha caçula, jornalista formada pela PUC, fez o seu primeiro estágio profissional, no Diário de Taubaté.


Depois não nos encontramos mais, o Ornélio Lima assumiu as Relações Públicas da Volks em Taubaté, eu deixei de ter contatos com jornalistas e vipes.


Que mais posso falar do Stipp? Eu o admirava. E eu sempre admirei pouca gente.




 

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