Pois
é, meu amigo Paulo José Stipp atravessou o portão
pro lado de lá. Eu o conheci por volta de 1974, quando a
obra da Volks em Taubaté ia a pleno vapor, correndo às
mil maravilhas, até que um pequeno detalhe nos encostou na
parede: a meningite atacou em cheio, entre cerca de três mil
trabalhadores de repente muitos começaram a apresentar sintomas
da doença que o governo militar proibia que fosse divulgada,
Em vez da meningite, receitas de bolo e pedaços dos Lusíadas
de Camões. Ou seja, São Paulo enfrentava uma feroz
epidemia de meningite, mas a censura, burra como toda censura, proibia
qualquer notícia a respeito.
Na obra da Volks em Taubaté, se não me engana a memória,
morreram 14 trabalhadores, que de repente não conseguiam
ir ao trabalho, eram removidos para o hospital e em poucas horas
engrossavam as estatísticas.
Tomamos algumas providências imediatas. A primeira foi fazer
abrir janelas nos alojamentos dos trabalhadores da obra, quartos
infectos onde em beliches de três eles viviam uma vida subhumana,
em que todas as condições privilegiavam o contato
com a doença maldita. Conseguimos fazer aprovar, com relutância,
duas kombis para o serviço do Hospital Santa Isabel (hoje,
o Hospital Universitário), para o transporte de doentes e
tudo o mais que precisasse ser removido.
Planejada em São Bernardo, sob comando do Dr. Ruy Braga,
do Dr. Domício dos Santos e do Dr. Jomar Dal Moro, com participação
de um dos chefes da Segurança, o Cel. Eugênio Martins
Ramos, meu querido amigo, ex-febiano, foi organizada a Operação
Minomax, nome de um antibiótico que, se aplicado a toda aquela
população, teoricamente eliminaria todos os vetores
de novas contaminações.
Num determinado dia, impedimos a saída de qualquer operário
das obras e ministramos a todos eles os comprimidos do antibiótico.
Houve reações negativas (muitos se negavam a tomar
o remédio, ou tentavam esconder os comprimidos, afirmando
que já tinham engolido; o Dr. Jomar era craque em descobri-los).
Com algum abuso de autoridade (quem leu sobre a Revolta da Vacina,
contra Oswaldo Cruz, sabe do que estou falando), conseguimos que
nenhum outro caso de meningite atingisse o complexo da construção
da Volks em Taubaté.
E tínhamos conseguido, também, que ninguém
da imprensa soubesse da Operação, o que poderia nos
colocar em problemas naqueles dias sombrios.
De repente alguém me chama e diz que um repórter de
Taubaté estava na portaria e queria mais informações
sobre o que estava acontecendo. Quem é o cara? - perguntei.
Um jornalista que escreve para o Estadão, me responderam.
Pensei um pouco e decidi deixar entrar, fazer o quê. Eis que
me aparece o Stipp, com aquele jeitão de funcionário
público, paletó e gravata. E respondi a ele todas
as perguntas que fez. Eu vi depois a reportagem, acho que não
saiu no Estadão [porque ali] a censura era braba, mas no
Diário de S. Paulo, e era um relato fiel e muito equilibrado
de tudo que estava acontecendo. Eu passei a admirar o jornalista.
Assim conheci o Stipp. Tempos depois nos encontramos, diversas vezes.
Uma ocasião ele estava com a máquina impressora quebrada
e me pediu socorro. Com ajuda de alguns engenheiros que trabalhavam
comigo, a máquina foi posta a funcionar. Djalma Castro é
testemunha deste episódio. Mais tarde, queriam saber como
debitavam aquelas horas gastas: “Põe em Relações
Públicas”, chutei eu, e ninguém reclamou.
Stipp me indicou um de seus filhos para uma vaga de estagiário
na Volks. Depois de algum tempo o pessoal do setor queria mais estagiários
como aquele, pela qualidade do trabalho e pelo caráter. Um
dos choques da minha vida foi descobrir, alguns anos depois, que
aquele menino, já homem feito, tinha caído morto dentro
do banheiro, provavelmente um infarto fulminante. Ouvir o Stipp
me contar isso foi um momento muito triste de nossas vidas, nós
dois choramos. Eu pedi e com ele minha filha caçula, jornalista
formada pela PUC, fez o seu primeiro estágio profissional,
no Diário de Taubaté.
Depois não nos encontramos mais, o Ornélio Lima assumiu
as Relações Públicas da Volks em Taubaté,
eu deixei de ter contatos com jornalistas e vipes.
Que mais posso falar do Stipp? Eu o admirava. E eu sempre admirei
pouca gente.
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