Por
Paulo de Tarso Venceslau
Rebeldes com causa
Uma
pequena e emblemática história de um grupo de cidadãos
que decidiram protestar pacífica e civilizadamente contra
a decisão arbitrária do prefeito que ficará
conhecido como inimigo do verde, como responsável pela impermeabilização
de ruas localizadas ao lado de rios canalizados e como doador de
paralelepípedos a luxuosos condomínios cujas ruas
ficaram livres de enchentes e outros dissabores provocados pela
impermeabilização imposta pelo asfalto.
“Professor Marmo foi preso porque estava sentado na frente
de uma máquina retro-escavadeira na rua Rebouças de
Carvalho!” foi a primeira notícia que chegou por volta
das 10 horas da manhã do dia 11 de janeiro na Universidade
de Taubaté (Unitau). Imediatamente, Jairo Cabral, 48 anos,
engenheiro civil, ex-aluno de Marmo e professor de cálculo
na Faculdade de Engenharia, dirigiu-se para a rua onde reside seu
ex-professor e ex-reitor da Unitau e cujos paralelepípedos
estavam sendo retirados pela Prefeitura.
Na verdade, quem estava sentado na frente da máquina era
Marminho, como é conhecido o professor Antônio Marmo
da Cunha Oliveira, lingüista formado pela Unicamp e filho do
ex-reitor da Unitau. Desfeita a confusão, Cabral ficou tão
chocado com o que viu e aderiu imediatamente ao protesto pacífico
e ordeiro.
A primeira atitude de Cabral foi procurar convencer os vizinhos
e moradores da região sobre as vantagens de manter os paralelepípedos
e as desvantagens da pavimentação asfáltica.
As pedras não impermeabilizam a rua, facilitam a drenagem
e evitam enchentes; produzem uma sensação térmica
muito mais agradável do que aquela que predomina onde as
ruas estão asfaltadas; e o tráfego é mais seguro
porque induz à redução da velocidades das viaturas
que por ali trafega.
Jairo Cabral reside na rua Humaitá, recentemente pavimentada
com asfalto depois que os paralelepípedos foram retirados.
“Depois de impermeabilizada, [a rua] fica insuportável
quando chove, mesmo à noite, porque sobe um vapor quente
quase insuportável”, conta Cabral. “O asfalto
tem atraído rachas nas madrugadas. No dia 7 de janeiro, por
exemplo, um Escort invadiu o condomínio Santa Genoveva, arrancou
um portão, abalroou carros estacionados e só por sorte
não atropelou uma moradora que havia acabado de entrar no
condomínio”, conta o professor da Unitau.

Policiais
dão fim ao protesto de Wilson Fernandes Lobo Filho, o Lobinho,
que é contra a retirada de paralelepípedos na Rua
Rebouças de Carvalho. O caso foi parar na delegacia
A
adesão imediata de Cabral é explicada também
pelos estragos que as obras da rua Humaitá provocaram nas
casas. “[A obra] demorou muito e as máquinas compactadoras
provocaram rachaduras enormes nas casas que tiveram grande parte
de seus jardins e quintais desapropriados por preços ínfimos.
Quando questionados, os técnicos da prefeitura respondiam
que ‘as casas seriam valorizadas depois das reformas’,
o que não aconteceu”, relata Cabral.
O protesto
Por volta das 7 da manhã de 11 de janeiro, os moradores da
rua Rebouças de Carvalho foram surpreendidos com a presença
de máquinas e equipes de trabalho da prefeitura. Eles tinham
ordens expressas para remover os paralelepípedos e asfaltar
a referida rua. Marminho assegura que aquela obra significa uma
ruptura unilateral do compromisso que o prefeito Roberto Peixoto
assumira publicamente e exibe como prova a resposta assinada por
Peixoto para um ofício enviado ao Executivo pelo vereador
Orestes Vanone. O prefeito não só tinha acatado o
abaixo-assinado assinado por cerca de 80 moradores da rua Rebouças
como havia se comprometido em encontrar outra solução
que não fosse a simples retirada dos paralelepípedos
e sua substituição pela pavimentação
asfáltica.
Marminho procura o gerente do DOP (Departamento de Obras Públicas)
de Taubaté, José Antônio Rodrigues Alves, e
argumenta que as obras seriam prejudiciais aos moradores e que havia
um compromisso assinado pelo prefeito. Simultaneamente, sua mãe
Mércia dirigiu-se à prefeitura para pedir ao prefeito
que suspendesse a obra. Recebeu um não tão retumbante
que foi hospitalizada às pressas por causa da pressão
alta que poderia causar danos mais sérios.
Diante da inflexibilidade do gerente do DOP que sequer tomou conhecimento
do documento que leva a assinatura do prefeito e dos problemas enfrentados
por sua mãe, Marminho decide então protestar de forma
pacífica e civilizada: senta-se à frente das enormes
máquinas que retiravam os paralelepípedos. Fazia uma
reivindicação: que o prefeito Roberto Peixoto cumprisse
sua palavra.
Muita viu naquele protesto uma semelhança com o que ocorrera
na Praça Celestial da capital chinesa quando um estudante
sozinho enfrentou tanques. Uma imagem que o mundo democrático
não cansa de exibir, para desespero dos ditadores chineses.
A imagem transformou-se em um símbolo de resistência.
Imediatamente, vizinhos amigos que moram nas adjacências solidarizaram-se
e durante todo o dia serviram água e lanches para os rebeldes
com causa que naquele momento já eram em número de
quatro: além de Marminho, o pelotão contava com a
participação ativa de Jairo Cabral, Ana Beatriz e
Wilson Lobo.
Soldados da PM que compareceram ao local limitaram-se a registrar
a ocorrência e manifestar simpatia pela iniciativa. Por volta
das 17 hora, Gerson Araújo, diretor do DOP compareceu ao
local e dirigiu-se a Marminho. Diante de todos que assistiam a cena,
Araújo afirmou que Roberto Peixoto tinha muito apreço
pela família do professor Marmo e assegurou que recolocaria
os paralelepípedos depois que concluísse as obras
das galerias para águas pluviais. Às 18 horas, as
máquinas foram retiradas.
Violência gratuita
Na sexta-feira 12 as máquinas voltaram e com elas uma péssima
notícia: Rodrigues Alves, gerente de obras, afirmou que o
prefeito Roberto Peixoto havia ordenado que a rua Rebouças
de Carvalho fosse asfaltada. Imediatamente os protestos foram retomados.
Nesse dia, porém, os soldados da PM retornaram com novas
orientações: prender os manifestantes e conduzi-los
à 1ª Delegacia, na avenida JK. Provavelmente, para atender
uma solicitação expressa por parte do Palácio
Bom Conselho onde o delegado Simões Berthoud, um dos raros
interlocutores do prefeito, ocupa o cargo de diretor de Segurança
Pública Municipal.
A tropa estava orientada a não mais dialogar com os manifestantes.
E para provar que executariam à risca as ordens recebidas,
não vacilaram em lançar mão de recursos anti-tumultos
como o spray de pimenta e algemas que foram empregadas para imobilizar
o bancário aposentado Wilson Fernandes Lobo Filho, o Lobinho,
53. Lobo, algemado, e Marminho, que não resistiu, foram conduzidos
como troféus de guerra para serem ouvidos em Termo Circunstanciado
(TC). Segundo o jornal Valeparaibano, o delegado do 1º Distrito
Policial, Getúlio Mendes, afirmou que os dois “irão
responder em liberdade por desobediência, desacato e resistência”.
Marminho e Lobinho tiveram de permanecer sentados por mais de 4
horas à espera de uma ordem para que o escrivão tomasse
seus depoimentos. Durante esse tempo, os dois afirmam que foram
muitas as manifestações de solidariedade que partiram
dos próprios soldados que os prenderam. Foram libertados
por volta das 14 horas. Os paralelepípedos foram retirados.
As obras continuam. Uma vitória de pirro de um prefeito despreparado
que não consegue conviver com a democracia e que teve de
pedir ajudar para o delegado Getúlio Mendes. Quem diria!

De forma pacífica,
o professor Antônio Marmo da Cunha Oliveira exerce seu direito
de protesto. Para ele, o asfalto na Rua Rebouças de Carvalho
pode causar transtorno a pedestres e motoristas.
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