Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

À mestra com carinho

MARIA MORGADO DE ABREU

É emocionante a revelação do mestre JC Sebe a respeito da professora que tanta influência exerceu sobre aquele jovem que se transformaria em um intelectual respeitado internacionalmente

Dia desses, perguntaram-me quais os autores que estariam na base de seu saber. Sempre que isto acontece, pessoas logo buscam expressões máximas do conhecimento, pensadores do tipo Marx ou Weber; mais recentemente pilares como Foucault, Babbha ou Derrida compõem a lista dos inspiradores irretocáveis. Há ainda os que evocam a literatura e então prezam Tolstoi, Borges, Nabockov ou Auden. Recentemente Kerouac tem aparecido como uma espécie de queridinho dos jovens “cult”.


Os nacionalistas logo apelam para Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque de Holanda; a nova geração se ampara nos textos de Eduardo Silva ou Nicolau Sevcenko. Os mais sagazes, com medo de errar, apelam para clássicos como Machado de Assis, Guimarães Rosa, e o nosso Monteiro Lobato também quase nunca falta. Clarice Lispector e Nelida Piñon também figuram como uma espécie de vingança do secular silenciamento feminino. Enfim, sempre os “grandes”. Por lógico a insegurança determina escolhas acima de qualquer suspeita.


Mas pensei na sinceridade da resposta e na oportunidade de uma justa homenagem. Como é sabido, o Vale do Paraíba é celeiro de bons professores e não é à toa, por exemplo, que Guaratinguetá foi conhecida como Atenas do Vale. Do Vale, tive mestres incríveis como o saudoso professor Eduardo D’Oliveira França. Cavando mais fundo, porém, recuo ao meu tempo de mocinho e passo em revista alguns saudosos professores do tempo do colégio. Entre tantos, cabe acarinhar uma pessoa muito especial em minha formação: dona Maria Morgado de Abreu. Ela significou muitíssimo para mim. Sobretudo, era doce e apaixonada pela docência.


De certa forma, dona Maria Morgado acompanhou, por inteiro, a trajetória de estudantes que fizeram o curso clássico e depois optaram pela área de História na Faculdade de Filosofia de Taubaté onde ensinava História do Vale do Paraíba. Sinceramente. Nos anos de 1960, aquilo, porém, parecia sem sentido. Frente às possibilidades de estudar o passado da humanidade, questionávamos dos porquês da História Local ou Regional, e, então não entendíamos o sentido sagrado da missão daquela mestra. Incansável, porém, dona Maria levava sua tarefa com entusiasmo e trocava nossas tolas polêmicas estudantis pelo carinho e apreço com que recriava Taubaté dando, inclusive, um destaque heróico por vezes exagerado. E com que convicção ela abordava as investidas de Taubaté no âmbito do Brasil!


Aliás, esta marca – de ver nossa querida cidade como uma espécie de capital histórica do país – graciosamente é uma das características que ainda talham os olhares dos historiadores locais. Acontece que a suave mestra conseguia passar sua mensagem. Carregada de fotos, jornais antigos, mapas, ela dissertava sobre a dinâmica de Taubaté como quem mostrava feitos napoleônicos. E promovia exposições, fazia-nos conhecer a produção artística de Georgina de Albuquerque, os filmes do Mazaroppi, colecionar velhas receitas de petiscos. Tudo com entusiasmo de quem revia a façanha universal filtrada por nós valeparaibanos.


Havia outras virtudes da mestra, é claro elegante, gentil e determinada. Elegante na postura além de muito bonita vestia-se com rigor; gentil, sabia ser cordial e severa e nos limitava nas notas; determinada, definida em sua opção de pesquisa escreveu textos básicos para o conhecimento de nosso passado local. Eis alguns: “Aspectos do Folclore em Taubaté”, “Taubaté de Núcleo Irradiador de Bandeirismo a Centro Industrial e Universitário do Vale do Paraíba”, “A Culinária Tradicional do Vale do Paraíba”; “História de Taubaté Através de Textos” e “Aspectos Geográficos do Vale do Paraíba e Município de Taubaté” (alguns em parceria com Antonio Carlos Argôllo Andrade). Em qualquer de seus escritos, presidia um brado de louvor à terra.


Além de aluno de dona Maria Morgado, fui colega dos filhos mais velhos da querida mestra. Conhecendo-a como mãe, na intimidade do lar, pude vislumbrar outro modelo de pessoa. Poucas vezes via alguém com tamanho desprendimento e capacidade de harmonizar diferenças. Guardo dela lembranças especialíssimas e é para ela que vai minha homenagem no dia muito especial “dos professores”. Sabe, e fico pensando, será que ela não foi o modelo primeiro que calcou em mim o ardor pela docência?


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