Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

Ando colecionando frases. Mesmo sem saber bem dos porquês, passagens de músicas, versos de poemas, ditos populares e frações de discursos importantes ou que gosto, povoam minha mente atenta a registrar situações que me dizem respeito. Foi assim, por exemplo, que vendo os depoentes da CPI dos Correios, independente de engolir os absurdos que nos arrasam, me veio à mente uma passagem de uma de minhas óperas favoritas “As bodas de Figaro” – notem que não é só de música brega que alimento meus ouvidos, No enredo Mozart contrapõe o famigerado Conde de Almaviva como um pândego súdito que em um diálogo com o bufo Figaro, ao duvidar de desculpas frágeis que este montava para se sair bem de uma trama, diz:
- “sua cara mente”
ao que a resposta do safado rapaz vem pronta:
- “minha cara mente, mas eu não minto”.

Sei que isto não serve de consolo, mas ajuda a manter a esperança de que os fatos sejam esclarecidos em sua integralidade. Afinal, se “errar é humano”, como diz o povo, “permanecer no erro é burrice”. É verdade que cabem atenuantes em favor de Fígaro, afinal, a ópera se passa em um tempo em que, na Espanha do início do século XIX, os senhores detentores de privilégios tinham o direito de dormir com as donzelas na noite de núpcias de seus vassalos. Inconformado, Fígaro pretendia quebrar a tradição e assim driblar as regras. É lógico que as manobras dos jovens nubentes faziam parte do enredo sobre a discussão do direito, justiça, poder e limites da ação dos senhores e dos subjugados. O diálogo citado é parte deste debate que apesar de tudo não elide a graça ou humor.

Sinceramente, precisei deste intróito para tocar em um tema que me diz respeito. Antes, porém me vali de outra passagem, de Paulo Freire, que pontifica “para quem quer crescer, todo erro é pedagógico”. No meu artigo “Joãsinho Trinta, Pelé e Ronaldinho”, publicado no Contato número 232, à página 11, escaparam-me alguns erros que diria foram de três ordens: um, a grafia do nome Joãsinho com “Z” em vez de “S”; outra a falta de um “de” na passagem “Algumas são decantadas e, expressão (sic) senso de oportunidade”, e finalmente, a repetição da palavra “direito” na frase derradeira que além disso incorre em cacofonia “... se sentem no direito de opinar sobre o direito...”. Pensei que se o duplamente conterrâneo professor Pasquale (ele é de Guaratinguetá e portanto Valeparaibano) lesse diria o seguinte: “Joãsinho” no caso do carnavalesco é nome, não diminutivo de João, portanto não tem nada a ver com o “z”; a minha falta do “de” na frase indicada acima incorreu em um grave erro que poderia ser sanado com a retirada de uma “vírgula,” aliada à mudança do termo “expressão” por um tempo verbal (“Algumas são decantadas e expressam senso de oportunidade”); a terceira seria solucionada por uma fácil alteração da palavra “direito” substituída na primeira vez por “autoridade” e assim ficaríamos com “... autoridade (em vez de direito) para opinar sobre o direito dos demais”.

Por fim, para terminar, tiro algumas lições freirianas destes “erros do meu português ruim” (como diria Roberto Carlos): 1- prefiro não permanecer no equívoco e assim evitar a “burrice”; 2- não quero ser como Figaro que precisa enganar os senhores e graciosamente disfaça; e se errar é humano assumo que corrigi-los publicamente é divinal.

Como eu que peço desculpas públicas, gostaria que os senhores da corrupção também se investissem do sagrado dever de apontar os próprios desvios, e se possível devolvessem o nosso dinheiro.




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