Espelhos (clique)


Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

Adepto do cinema como entretenimento, crítico dos filmes tipo cabeça, históricos e bíblicos, o historiador José Carlos Sebe está convencido de que o filme “A queda! As últimas horas de Hitler”, do cineasta Oliver Hirschbiegel, é “a melhor de todas as películas sobre a Segunda Guerra Mundial.”

Gosto de cinema. Sempre gostei. Tenho preferências por filmes tolos, do tipo comédia romântica, ou histórias de amor que acabam bem. Sou avesso a “cinema cabeça” ou a enigmas filosóficos filtrados por cineastas inteligentes demais. Também não gosto muito de ficções científicas a não ser da alçada de “Guerra nas Estrelas”. “Cinema é a maior diversão” e, historiador, procuro ler história nos livros, discuti-la em salas de aulas, pesquisá-las em arquivos. Quase nunca vou a filmes históricos e não me envergonho de dizer que desde “Os dez mandamentos” nunca mais vi filmes bíblicos. Seria impossível escapar da avalanche de películas sobre a Guerra do Vietnã, mas quando as via calibrava meu olhar pela ótica de alguém que cresceu na contracultura dos anos de 1960.
Mas, recentemente, aconteceu algo diferente. Exausto, depois de uma semana de muito trabalho, saí tarde para jantar em um Shopping e de lá fui a uma destas sessões avançadas na noite. Por coincidência, o único filme compatível com o horário era “A queda! As últimas horas de Hitler”. Tinha ouvido falar algo da produção que certamente seria polêmica, mas sabia pouco mais, nada dos atores e nem mesmo do enfoque do enredo. Confesso que me muni de algumas pedras, pois filme sobre últimas semanas, dias ou horas, sempre tratam de humanizar o personagem. E ver Hiter bonzinho definitivamente não estava em meus planos.
Enquanto aguardava o início, sozinho, pensava nos demais filmes que enfrentaram a problemática do Terceiro Reich e de seu artífice mais conhecido. Veio-me logo à mente o caso de Charles Chaplin que, judeu, o caricaturizou como ninguém em “O Grande Ditador”. Mas isto se deu em 1940, antes dos horrores dos campos de concentração. Depois, lembrei-me de poucos outros filmes, mas em todos havia o esforço em mostrar Hitler como um desequilibrado, maluco, histérico ou neurótico. O que será que vem por aí, perguntava-me? A narrativa se passa, em grande parte, dentro de um buncker, debaixo do Parlamento de Berlim, onde o füher, sua amante Eva Braun e demais asseclas estiveram escondidos enquanto as tropas russas invadiam uma Berlin arrebentada. Em termos de cinema vi uma solução surpreendente, jamais pensada: a condução cromática acinzentada, a câmara sempre fechada, o ambiente gerado verdadeiramente sufocante.
Neste clima, o tema da solidão dos poderosos logo repontou. Igualmente estava exposta a vontade do líder doente que preferia ver sepultados todos os participantes da diabólica trama nazista. Emerge então o dilema: ou se rendiam acovardados ou morreriam fiéis ao lado do cruel sonhador.
Há algumas situações impressionantes no filme. Talvez a mais dramática delas seja a cena em que esposa do terrível ministro Joseph Goebbels, Magda, decide que, para sua família, não valeria a pena viver fora dos quadros nazistas. Mas também é em relação aos filhos do ministro que o filme toca na marca contraditória de Hitler que ostenta algum carinho. Mas isto não desmente o caráter violento do chefe que afinal, era bom por minutos e em situações que não comprometiam seu projeto ideológico. Pelo contrário, salienta seus extremos. Assim, o fato de ter uma cachorrinha, Blondi, não disfarça o perfil doentio do homem que – pelo mal – mudou a face da história.
E trata-se de um filme alemão. Isto não é pouco, pois a decantada dureza germânica cedeu lugar a uma crítica que certamente é mais rigorosa no país que serviu de cenário ao terrível füher. O enredo que se processa em 156 minutos, tem interpretações irretocáveis. O suíço Bruno Ganz, com a mão direita trêmula, mais do que mostrar o cuidado absoluto com os detalhes – Hitler sofria do mal de Parkinson – mostra uma atuação digna da indicação de melhor filme estrangeiro ao Oscar. O cineasta Oliver Hirschbiegel conduziu tudo de maneira segura de forma a fazer desta a melhor de todas as películas sobre a Segunda Guerra Mundial.

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