Bar

     Algumas vezes eu me sento diante da tela deste micro e me sinto em meio a uma solidão cruel: como continuar escrevendo, se não conto com nenhum leitor esperando pelo que escrevo e, sendo assim, porque escrevo?
     Os que escrevemos temos a vaidade de imaginar pessoas querendo saber nossas idéias sobre o mundo e as coisas. Na verdade, não vamos além do cidadão comum, os que não escrevem e se poupam de exposições equivocadas. Gostaria de escrever para um jornal de botequim, na inconseqüente linguagem oral cheia de interjeições, exclamações sonoras. A sério mesmo, gostaria de não escrever para boteco. Só anotar um rumo, mais nada.
     Ouvir e não se espantar com a confissão admirada de um gay recente: “...quem ainda não beijou um homem não sabe o que é beijo” O boteco se recupera rapidamente do quase-susto e a vida volta a seu curso natural.
     Ativo ou passivo?
--- Que diferença faz pra você?
Só o boteco tem espaço para todas as idéias, ninguém mais. Nem o Ágora, dos atenienses, tinha a belíssima liberdade de um boteco, onde as descontrações democráticas vigem o tempo inteiro e onde as declarações do atraso surgem mais espontâneas. O boteco, filosofa um de seus admiradores mais antigos:

     “É nosso Ágora mais moderno, funcionando em tempo integral, ‘full-time’.”
O “Bar do Alemão” tinha um chopp inigualável e mostarda perto da alemã dos melhores pontos de Frankfurt. Com a morte do “Alemão”, o mundo se contraiu e Taubaté nunca mais foi a mesma ou será.
Há esforços isolados, mas o crescimento das cidades roubou a coloquiedade de seus bares, automatizando procedimentos, eliminando mão-de-obra, surgindo o “bar sem palavras”, comida por quilo, tudo com o detestável e falso silêncio urbano. Em Amsterdam, fui a um bar com mais de trezentos anos, sempre da mesma família. Era sua única atração. Muito pouco, para que lá voltasse. Confesso que o bar do “seu” Genésio, na porteira de meu sítio, tinha mais charme, era “sujinho” e possuía a histórica tensão dos ratos passando entre nossas pernas, sem contar com os instantes da melhor discussão sobre estética, quando se propôs discutir sobre as coisas mais bonitas do mundo.
     Restou uma calorosa discussão envolvendo dois fregueses: um defendia que nada era mais bela que “uma gota de orvalho numa folha de inhame”. O outro retrucou que, pra ele, a coisa mais bela do mundo era “bunda”.
     Cosas sábias do bar.