O dia em que tirei a
barriga da miséria

Trufas Negras - U$ 6 mil o quilo. Whisky “The Macallan” safra 1926 – 12 mil libras. Ser convidado para uma degustação no Fasano sem entender nada de comida nem de bebida – não tem preço.

por Pedro Venceslau


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     Tudo começou com uma garrafa de whisky que apareceu na minha mesa da redação. Grande mimo. “Famous Pedro” dizia o rótulo. Junto da garrafa, um convite irrecusável: “Aguardamos você às 21hs no Fasano para degustar um típico Fasan Ur – gastronomia Fashion em gaélico – com harmonização dos whiskies The Famous Grouse, pelo drammolier Richard Prendiville e gastronomia de Slavatore Loo, com consultoria de Manoel Beato”.
     Não entendi nada, mas adorei. Como diria Bebel, de Paraíso Tropical: “Deve ser um evento de catiguria”. Ainda mais para quem está acostumado a harmonizar X – Egg com Fanta na esquina da Major Sertório com Amaral Gurgel.
     Nove horas em ponto eu estava no Fasano. Sempre quis conhecer a Meca da granfinagem paulista. Um luxo só. Ao todo, dez jornalistas foram convidados para o rega bofe. Todos de revistas e jornais especializados em luxo, gastronomia ou afins: Vogue, Taste, Gula, Valor... Não sei como me enfiaram nessa, nem quero saber.
     Além dos dez colegas, estava presente um legítimo escocês da Escócia, o tal “dromelier”, ou o “sommelier” de Wisky. Para os não iniciados: sommelier é o cara que ganha a vida experimentando vinho, mas não é alcoólatra. Geralmente eles cheiram, fazem gargarejo e depois cospem de volta. É chic, mas é um nojo. No caso do Whisky não tem essa história. Ainda bem.
     Além do “drommelier”, um degustador profissional e um representante da “Famous Grouse” no Brasil participaram da farra. “Famous é o whisky mais popular e mais vendido na Escócia, mas pouca gente sabe disso no Brasil. Não fazemos grandes campanhas, como o Jack Daniels”, explica o assessor. Finalmente entendi a idéia daquele jantar: a marca centenária está se expandido. Ok, legal. Mas quando chega a primeira dose?
     Mais conversa: “Temos o melhor puro malte do mundo nos nossos blends. Nosso whisky é envelhecido em barris de carvalho espanhol. Temos a mesma receita desde de 1896, quando nasceu Famous Grouse. Aliás, até hoje é a mesma família que comanda os negócios”. Mas o que é um blend? Uma composição de malte com grãos, alguém responde. “Ás vezes usam 50 whiskies para chegar a um blend”, comenta outro jornalista.



     Eu já estava perdendo a paciência quando chegou o primeiro copo da noite. O “welcome drink” foi um 12 anos com características cítricas, harmonizado com uma lasca de casca de laranja. “No Finest, o limão harmoniza melhor”, diz o degustador profissional. “Brindemos essa whisky experience”, conclama o dramollier gringo. Que maravilha. Desceu suave. Na mesa, salmão e outros quitutes. Algumas doses de 12 anos depois e finalmente fomos para mesa, curtir uma “gastronomia de autor” para harmonizar com o goró.
    Começamos com uma “insalata di arancie e nocciole” harmonizada com um Highland Park Spirit misturado com suco de laranja. “É a água da vida”, sussurra o dromellier. De boca cheia, eu concordo balançando positivamente a cabeça. Chega o segundo prato: “Zuppa di Lenticchie e Baccala” (a popular sopa de lentilha e bacalhau, mas com um toque de gengibre). Na seqüência é servido um “Artic Grouse”, um Famous Grouse Finest resfriado por 24 horas. “Isso resfria o paladar e combina com o calor da sopa”. “Mas isso não trinca o dente?”, pergunto. O drommelier apenas ri, pensando que se tratava de uma brincadeira. Terceiro prato: “fileto de mazo allá rossini com lascas de trufas de negras”. Para beber, um legítimo 18 anos “old malt”, mas com uma peculiaridade: diminuíram a graduação alcoólica para 15,2%. A idéia é aproximar o whisky do vinho. Não gostei. Mas mandei para dentro.
     Puxo uma conversa, me fazendo de entendido: “Nunca comi, mas adoro trufa”. “Custa U$ 6 mil o quilo na feira de Alba. São como cogumelos. Surgem na temporada chuvosa e são caçadas por porcos, que sentem o cheiro. O primeiro aroma é de gás de cozinha”, explica Ênio, editor da revista Taste. “Quanto valem essas lasquinhas?”, penso, em silêncio. Chega a sobremesa: “torta de pistachio com sorbet di frutta di Bosco”. Para beber, “Crimson Crush” – um Famous Grouse Finest com framboesas, licor de framboesa, mel, suco de limão e ginger ale. Supimpa.
     Terminada a comilança, passamos para a sala ao lado, de estar, para harmonizar charutos com a pérola da noite: “The Famous Grouse 30 anos old malt”. Puro. Sem gelo. Em pequenas doses. A conversa flui como nunca. Pergunto qual é o whisky mais caro do mundo: “O rolls royce dos whiskies é o The Macallan, safra 1926, envelhecido 60 anos nos melhores barris e vendido por U$ 23 mil libras”. Deu água na boca. “Tens uma dosezinha desse aí?”. Infelizmente, não foi dessa vez. “Quando degustamos comida, usamos todos os nossos sentidos. Com whisky é a mesma coisa. Tudo começa com a apresentação. O copo, o gelo”, declama o apaixonado dromellier beberrão. Maltes, grãos, blends.
     No dia seguinte, chega a conta (que maldade). Um email perguntando minhas "impressões" e sondando quando sai a matéria, nota ou coisa que o valha. Robson Monteiro, jornalista e professor da gloriosa Unitau, costuma dizer que “a imprensa em Taubaté é movida a rango". Eu que o diga...