Gosto
imenso de poesia; poucos sabem, pois sou discreto na mostra deste
meu lado que preservo e poucas vezes revelo. Poesia para mim é
um território íntimo e deve ser resguardado na essência
dos pudores. Há um pouco de timidez nisto, confesso. E
também medo de profanar a conveniência da pessoalidade.
Minha paixão pela história, pelo
contrário, é desbragada, exibida, visual, e nem
poderia ser de outra forma, posto ser escolha profissional e militante.
Agora, quando poesia e história se encontram, estrelas
explodem em meu céu interior e festas montam fazendo com
que a primeira, a poesia, desponte na segunda, na materialidade
das explicações históricas. E, então
coleciono casos que explicam a alegria do conhecimento. São
estas histórias que servem de chão amigo para diálogos
entre versos e conhecimento e a vida se me torna mais fácil,
aceitavelmente volátil, rima de experiências inspiradoras.
Assim, tão mais cintilante o caminho se constrói
quando mais evidentes se tornam as percepções poetadas
com as histórias de versejadores sagrados.
Lembro-me bem que ainda menino, submetido à
educação salesiana, tínhamos que valorizar
nossos atributos mnemônicos como estratégia de aprendizado.
Então, éramos obrigados a decorar versos e mais
versos. Os “clássicos” logo nos eram apontados
e Camões tinha posto garantido: mestre da métrica,
rima e de pruridos igualáveis a Petrarca. E mais do que
os poemas épicos, por algum motivo especial, eu preferia
os cantos de amor. E eram tantos!
Por certo, o primeiro que aprendi “de
cor” – que coisa linda esta expressão:
“de cor”, designativo de “de
coração” – foi o sublime
soneto “Amor é fogo que arde sem se ver/é
ferida que dói, e não se sente/é um contentamento
descontente/é dor que desatina sem doer/É um não
querer mais que bem querer/é um andar solitário
entre a gente/é nunca contentar-se de contente/é
um cuidar que ganha em se perder/É querer estar preso por
vontade/é servir a quem vence, o vencedor/é ter
com quem nos mata,lealdade/Mas como causar pode seu favor/nos
corações humanos amizade/se tão contrário
a si é o mesmo Amor?”.
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Camões
parecia entender os dilemas amorosos que por mais 500 anos se desdobrariam
como se vê nas notáveis palavras seguintes: “Quem
diz que Amor é falso ou enganoso/Ligeiro, ingrato, vão
desconhecido/Sem falta lhe terá bem merecido/Que lhe seja
cruel ou rigoroso/Amor é brando, é doce, e é
piedoso/Quem o contrário diz não seja crido/Seja por
cego e apaixonado tido/E aos homens, e inda aos Deuses, odioso/Se
males faz Amor em mim se vêem/Em mim mostrando todo o seu
rigor/Ao mundo quis mostrar quanto podia/Mas todas suas iras são
de Amor/Todos os seus males são um bem/Que eu por todo outro
bem não trocaria”.
Não
seria exagero dizer que uma das portas para minha opção
pela história se deu no esforço de conhecer Camões.
E o fiz com paixão deslavada. E pude então ler algumas
parcas biografias do maior poeta português. E me encantava
com as referências à trama amorosa dele com a chinesa
Dinamene – que, segundo lendas, ele deixou morrer num naufrágio
para salvar os manuscritos já iniciados d’Os Lusíadas.
De toda forma, os versos amorosos ficaram como prova da elevada,
incomparável mesmo, qualidade artística camoniana.
Entre
outros, um verso feito para Dinamene merece citação:
“Ah! minha Dinamene/Assi deixaste,quem não
deixara nunca de querer-te?/Ah! Ninfa! Já não posso
ver-te/tão asinha esta vida desprezaste/Como já para
sempre te apartaste/de quem tão longe estava de perder-te?/Puderam
estas ondas defender-te/que não visses quem tanto magoaste?/Nem
falar-te somente a dura morte me deixou/ que tão cedo o negro
manto/em teus olhos deitado consentiste/Ó mar, ó Céu,
ó minha escura sorte/Que pena sentirei/que valha tanto,que
inda/tenho por pouco o viver triste?
Quais
as lições que tiramos disto? Várias, mas sobretudo
é bom ter certeza de que podemos aprender a amar pelas palavras
dos outros. Melhor, porém, é ter certeza de que as
palavras nos conduzem ao amor. E como diria o mesmo Camões,
“não amamos sem palavras”.
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