Por Bruno Monteiro e Marcos Limão
Texto e fotos

Prostituição


Taubaté: cidade do sexo


Na terra de Lobato, o aspecto interiorano e a moralidade aparente impedem que se veja as sombra que a noite esconde. A cidade está repleta de pontos de prostituição. Do alto luxo ao sexo quase de graça. Até à luz do dia, garotas de programa atuam na praça mais importante da cidade: a Dom Epaminondas, no pátio da Catedral São Francisco das Chagas. Durante duas semanas, a profissão mais antiga do mundo foi registrada em Taubaté por nossos repórteres que percorreram os principais pontos de prostituição, marcaram encontros por telefones divulgados em classificados, conversaram e fotografaram. Todos os nomes divulgados são fictícios.


Conservadorismo é uma das marcas de Taubaté. Será? CONTATO saiu às ruas e pôs à prova todos os rótulos da cidade fundada pelo bandeirante Jacques Félix. Mergulhado na noite taubateana, ouviu os relatos dos personagens que desmascaram e colocam em xeque a (falsa?) moralidade vigente.

A viagem começa com Camila, 24 anos, loira, rosto delicado e corpo escultural. Quem escuta sua voz meiga não imagina que ela é uma garota de programa há oito meses. A “menina-mulher” pertence ao seleto grupo das chamadas “garotas de luxo”. O cliente que desejá-la terá que desembolsar, no mínimo, R$ 150, por uma hora de prazer. “Conheci este mundo por meio de uma amiga. Eu trabalhava de promoter em Campos do Jordão, mas o dinheiro não rendia, não dava pra nada. Como tenho minha filha de sete anos e a crio sozinha, e tenho que pagar minhas contas, a maneira mais rápida de conseguir o que preciso foi através dos programas.”

Camila entrou para o mundo da prostituição por um problema bem brasileiro e bastante conhecido: o desemprego. “Não digo que é um dinheiro fácil, mas rápido. Por isso faço programa.”

Em razão de sua beleza, ela tem o privilégio de escolher seus clientes e trabalhar a hora que quiser. “Sábado e domingo, por exemplo, não trabalho. O meu final de semana é da minha filha. Olha, se hoje posso pagar uma escola particular, inglês, jazz, plano de saúde e outras inúmeras coisas, é graças ao meu trabalho.”

Mas nem tudo são flores na vida de Camila. O prazer de um beijo da pessoa amada, a companhia de amigos e os momentos de lazer são colocados em segundo plano. “Não tenho vida social. Às vezes, quando o cliente é bonitinho, dá até pra dar uns beijos. Mas tem umas figuras que só de ver já desanima”. A movimentada vida sexual de Camila é condicionada ao dinheiro. “Não me vejo fazendo sexo sem ser por dinheiro. Não sinto mais vontade. Só se eu amar muito mesmo uma pessoa.”

Segundo ela, o perfil de seus clientes é variado: músicos, empresários, aposentados enriquecidos e pessoas de destaque na sociedade. “Até mulheres já me ligaram, mas só faço programas com homens”.

Camila conta que há clientes que a tratam como quase uma deusa. “Tem um que me levou pra uma cidade, me levou num dos restaurantes mais caros de lá e me pagou R$ 900 pelo programa.”

 

Outra faceta

A história de Camila é uma exceção. A realidade das ruas taubateanas é bem diferente. O que prevalece é a pobreza, a miséria e a necessidade de conseguir ao menos alguns trocados. Isso faz com que as mulheres vendam seu corpo por uma quantia irrisória. É o caso de Telma, 28 anos, magra, pele morena e cabelos pretos, mas tingidos de loiros. Com minissaia jeans, top apertado, numa estreita rua escura sob o reflexo amarelado da luz do poste, ela contou quanto cobra pelo programa: R$ 30 com direito ao quarto. “A maioria vem mesmo pedir pra gente fazer outra coisa. Tipo inverter os papéis, sabe? Muitos homens me procuram pra virar mocinha na minha mão”, afirma Telma, que trabalha na região do shopping.


Pelo mesmo preço, R$ 30, o taubateano pode encontrar um “cardápio” mais variado: os travestis. Samanta, 24 anos, loira, alta, magra e com silicone nos glúteos, ganha a vida numa das esquinas próximas a Rodoviária Nova de Taubaté. Natural de Forteleza, Samanta, vestida com uma blusinha rosa e uma calça jeans justíssima, conta que começou a fazer programas aos 13 anos e recentemente gastou R$ 20 mil para trocar de sexo. “Fiz minha operação em Ribeirão Preto. Lá, [você compra] a melhor vagina do Brasil. Melhor que isso só na Holanda”.

Mas, logo se mostra arrependida. “Quando eu tinha pênis ganhava muito mais dinheiro”. Lara, 21 anos, sua amiga e companheira de labuta, emenda: “os homens gostam da gente porque nós temos o corpo de mulher e um brinquedinho a mais”.

Há relatos inusitados das preferências dos seus clientes. “Tem homens gostam que eu tire as minhas roupas e coloque neles. Ficam uma verdadeira menina”, conta Samanta com o sorriso nos lábios.

Lara, sua “amiga”, morena, braços e pernas fortes, cabelos longos, aparelho nos dentes e silicone nos peitos, para atrair clientes deixa a metade dos mamilos, “turbinados” pela prótese de silicone, para fora da blusa e praticamente as pernas inteiras expostas às luzes dos carros que passam. Lara ganha mais dinheiro que a companheira por pequeno detalhe: “ela” mantém intacto e ativo seu órgão sexual original. Prova disso é a freqüência de atendimentos. “Cheguei a fazer treze programas numa noite”, conta, exibindo seu recorde de trabalhos.

Lara possui uma “família” bem extensa. Mora com 28 travestis numa casa, em um bairro da cidade. Mesmo com um porte físico considerável, ela já perdeu as contas de quantas vezes foi assaltada nos quatro anos da vida noturna.

Há um “código de ética” que rege o trabalho dos travestis de Taubaté. Eles se dividem em duas turmas: uma fica próxima a Rodoviária Nova e a outra fica no Centro, na avenida Marechal Rondon.

 



Travesti faz ponto próximo à rodoviária nova. A venida Faria Lima é um dos principais redutos dos travestis da cidade



Figuras importantes para a cidade já passaram pelas mãos dos homens de saia, batom e silicone da avenida Faria Lima. “Já atendi até políticos conhecidos na cidade”, conta. Ao ser questionada de quem se tratava, o travesti preferiu não polemizar. “Você quer que eu morra, né, meu amor! Não falo os nomes deles nem sob tortura”.

 

Vida de ativo

Não são só os travestis que algumas autoridades da cidade procuram. Segundo Guel, um garoto de programa, 30 anos, estatura mediana, com voz mansa, porém num tom forte, dois políticos do Poder Legislativo (não quis esclarecer se são do poder municipal, estadual ou federal) já solicitaram os serviços do rapaz. “Na hora não os reconheci. Só depois me dei conta de quem se tratava”, diz.

O prostituto faz seu ponto próximo ao estádio Joaquim de Morais Filho, o Joaquinzão, do Esporte Clube Taubaté. “Já faz cinco anos que estou aqui. Este ponto é meu e ninguém toma. De homem aqui só fica eu. Só tem mais dois travestis que dividem o ponto comigo.”

 



Por uma transa rápida, na qual faz o papel de ativo, Guel cobra a bagatela de R$ 10. “Sempre rola alguma coisa a mais, aí o preço sobe. Mas a maioria dos homens que me procura quer mesmo ser passivo. E olha que eles são uns 80% dos clientes. Também já atendi mulheres. Mas é mais raro parecer”, afirmou.

Guel relata o pedido mais inusitado que um cliente já pediu a ele. “Um dia, um cara me pegou aqui e descemos para o litoral. Lá, ele parou o carro em uma praia e disse que queria que eu penetrasse nele junto com areia da praia. Tiveque usar umas três camisinhas ao mesmo tempo neste dia.”

Perguntado o porquê desta vida, Guel não se intima em assumir: “faço isso por que eu gosto mesmo. Sinto prazer. Hoje tenho minha casa, meu carro, meu comércio e consegui comprar a casa da minha mãe que, aliás, sabe de tudo”,disse.
Ele se define como bissexual, mas diz que sofre com o preconceito. “As pessoasnão entendem mesmo. Acham que eu sou só mais um gay pervertido.”

Desespero

Leila, 35 anos, visivelmente drogada, foi outra profissional que CONTATO encontrou na noite taubateana. Ao falar com a reportagem, ela pronunciava palavras ao léu, sem sentidos. Com rugas no rosto, olhar esbugalhado, batom borrado na boca e os cabelos negros presos, Leila esperava ansiosamente por um programa próximo à Rodoviária Velha, ao lado da antiga estação de trem de Taubaté.



Leila estava desesperada para conseguir um programa. Senão, não teria onde dormir.


Naquela noite em especial, a prostituta vivia um drama: precisava fazer um programa de qualquer jeito para poder arrumar um local para dormir. “Hoje se o cliente oferecer R$ 15 eu tô dentro. Tô desesperada, preciso arrumar alguma coisa senão durmo na rua hoje”, conta Leila, que possui quatro filhos que não moram com ela.

 

Em pleno dia

A prostituição não é uma exclusividade da noite. Em plena tarde, a principal praça da cidade, a Dom Epaminondas, é palco para o assédio de várias garotas de programas.


Em plena luz do dia nosso repórter Marcols Limão aborda prostitutas na praça Dom Epaminondas Sem maiores constrangimentos as garotas de programa se oferecem principalmente aos senhores aposentados.


Fátima, cabelos vermelhos, unhas compridas e 38 anos, é uma delas. Começou a fazer programa com 30, depois que o desemprego chegou, e nunca mais foi embora. De 15 em 15 dias, ela deixa os quatro filhos no Rio de Janeiro e vem ganhar a vida em Taubaté. Às 16 horas de um dia ensolarado, com um gigantesco óculos escuro que lhe dá um visual marciano, Fátima revela que seu público é variado. Até seu ex-marido passa de vez em quando para matar a saudade e perguntar dos filhos. “Ele vem, faz o programa, me paga e vai embora, como outro qualquer. Eu nem beijo a boca dele. Não sinto mais tesão. Trato ele como um cliente qualquer”, revela Fátima, que cobra R$ 20 por um programa.

Entre confissões e risos, ela revela que também atende homens que pagam mais caro para virar verdadeiras menininhas nas suas mãos. “Faço isso com o dedo mesmo, uma cenoura ou um pepino, tanto faz”.


 

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