Talvez seja mania
de professor, talvez não, sei lá... O fato
concreto é que gosto de acompanhar a vida de meus
(ex) alunos. Vibro quando encontro algum e meço as
conseqüências do viver dimensionado em sucessos
profissionais, famílias constituídas, vigor
físico. Na ordem oposta, fico consternado com as
dificuldades, problemas e frustrações de tantos
que quiséramos tivessem outra sorte.
É lógico que me é impossível
saber trajetórias de levas que hoje superam milhares.
Sim, aos sessenta e quatro anos, legiões de jovens
passaram por minha vida docente, marcando de maneira indelével
nossas experiências comuns. Sempre que penso nisso
me ocorre uma imagem lobateana que metaforiza na velha árvore
cheia de passarinhos a faina de quem envelhece abrigando
lembranças de pessoas que se valem do abrigo carinhoso
e fraterno.
Mas, nostalgia à parte, dia desses passei por aventura
singular. Quando jovem, aproximei-me por vários motivos
de um personagem que sempre me chamou atenção:
seu Tinho Dias. Lembro-me então que ele dirigia o
CAST (Centro de Assistência Social de Taubaté)
e militava segundo pressupostos espiritualistas em favor
dos pobres. Sob a égide da caridade, o prédio
da praça Santa Terezinha funcionava como sede e havia,
na escada de acesso ao segundo piso, uma tabuleta com dizeres
bíblicos que de quando em vez se acendem em minha
memória: “ninguém é pobre o suficiente
que não tenha o que dar; ninguém é
rico o suficiente que não tenha o que receber”.
Imbuído de idealismo, junto com outros amigos, resolvemos
fundar um clube destinado a agregar meninos que se compuseram
em grupo chamado “Os Monstros”. Eram dias politicamente
difíceis e minha preocupação central
situava na promoção de um convívio
atento à combinação da alegria de viver
com a responsabilidade social. A primeira sede foi no CAST
e foram anos gastos em atividades que, afinal, se destinavam
a um grupo específico.
O tempo passou, os meninos cresceram, muitos mudaram e hoje
restam lembranças – muito boas – de um
projeto independente e que deixou marcas. Pois bem, tornei-me
um caçador de notícias desses personagens.
Dia desses recebi uma mensagem carinhosa de um deles e então
procurei restabelecer contatos que, alguns, frutificaram.
Tratava-se exatamente de um rapaz que sempre me chamou a
atenção pela combinação de timidez
e ternura. Era o Célio Gualberto Moreira, conhecido
então como Célinho. Um dia paguei-lhe a velha
promessa de visitá-lo. Sabia que trabalhava com marchetaria,
aquele complexo processo de embutir pequenas peças
de madeiras diferentes ou produtos como madrepérola
em uma base também de lenho. Respeitando a mais fina
tradição árabe, coincidentemente, pela
vida prestei muita atenção nesse tipo de artesanato
que me fascina. Imaginava uma produção boa,
na medida que me lembrava da mania de detalhe e organização
que distinguia o então menino.
Tive alguma dificuldade para achar sua casa em Quiririm,
mas consegui. Ao chegar lá, conheci outro artista
com quem trabalhava, Sebastião Rodrigues Lima e fiquei
profundamente deslumbrado com o que vi. Molduras de quadros,
caixas variadas, organizadores de material de escritório,
tudo, tudo, mas tudo mesmo feito como se a arte milenar
dos marcheteiros árabes houvesse sido captada pelos
dois. É fantástico o que ambos fazem. Comprei
algumas peças, encomendei outras e com isto vislumbrei
uma solução definitiva para presentes futuros.
Independentemente do prazer do reencontro, porém,
restaram algumas dúvidas e desafios. Por que será
que artistas tão bons como esses não têm
projeção na cidade? Será culpa deles
que se amodestam na promoção pessoal, ou caberia
à cidade se olhar mais e melhor?
Mas outras questões me perturbaram: como podem dois
moços, brasileiros, captar um fazer artístico
tão refinado? Honestamente, só vi trabalhos
equiparados aos deles em viagens pelo Marrocos e Argélia,
e, para tirar prova convido todos a uma visita àquele
atelier. Mesmo sem autorização de ambos, passo-lhes
o telefone de contato (3686 3760) e solicito aos que forem
um favor: digam-me se tenho ou não razão.