Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

O MELHOR DA ARTE TAUBATEANA

Mestre JC conta como foi a alegria de reencontrar dois alunos que se transformaram em exímios artesãos da marchetaria e, ao mesmo tempo, uma certa tristeza de ver que tais talentos não têm a projeção que deviam ter em Taubaté.

 


Talvez seja mania de professor, talvez não, sei lá... O fato concreto é que gosto de acompanhar a vida de meus (ex) alunos. Vibro quando encontro algum e meço as conseqüências do viver dimensionado em sucessos profissionais, famílias constituídas, vigor físico. Na ordem oposta, fico consternado com as dificuldades, problemas e frustrações de tantos que quiséramos tivessem outra sorte.


É lógico que me é impossível saber trajetórias de levas que hoje superam milhares. Sim, aos sessenta e quatro anos, legiões de jovens passaram por minha vida docente, marcando de maneira indelével nossas experiências comuns. Sempre que penso nisso me ocorre uma imagem lobateana que metaforiza na velha árvore cheia de passarinhos a faina de quem envelhece abrigando lembranças de pessoas que se valem do abrigo carinhoso e fraterno.


Mas, nostalgia à parte, dia desses passei por aventura singular. Quando jovem, aproximei-me por vários motivos de um personagem que sempre me chamou atenção: seu Tinho Dias. Lembro-me então que ele dirigia o CAST (Centro de Assistência Social de Taubaté) e militava segundo pressupostos espiritualistas em favor dos pobres. Sob a égide da caridade, o prédio da praça Santa Terezinha funcionava como sede e havia, na escada de acesso ao segundo piso, uma tabuleta com dizeres bíblicos que de quando em vez se acendem em minha memória: “ninguém é pobre o suficiente que não tenha o que dar; ninguém é rico o suficiente que não tenha o que receber”.


Imbuído de idealismo, junto com outros amigos, resolvemos fundar um clube destinado a agregar meninos que se compuseram em grupo chamado “Os Monstros”. Eram dias politicamente difíceis e minha preocupação central situava na promoção de um convívio atento à combinação da alegria de viver com a responsabilidade social. A primeira sede foi no CAST e foram anos gastos em atividades que, afinal, se destinavam a um grupo específico.


O tempo passou, os meninos cresceram, muitos mudaram e hoje restam lembranças – muito boas – de um projeto independente e que deixou marcas. Pois bem, tornei-me um caçador de notícias desses personagens.


Dia desses recebi uma mensagem carinhosa de um deles e então procurei restabelecer contatos que, alguns, frutificaram. Tratava-se exatamente de um rapaz que sempre me chamou a atenção pela combinação de timidez e ternura. Era o Célio Gualberto Moreira, conhecido então como Célinho. Um dia paguei-lhe a velha promessa de visitá-lo. Sabia que trabalhava com marchetaria, aquele complexo processo de embutir pequenas peças de madeiras diferentes ou produtos como madrepérola em uma base também de lenho. Respeitando a mais fina tradição árabe, coincidentemente, pela vida prestei muita atenção nesse tipo de artesanato que me fascina. Imaginava uma produção boa, na medida que me lembrava da mania de detalhe e organização que distinguia o então menino.


Tive alguma dificuldade para achar sua casa em Quiririm, mas consegui. Ao chegar lá, conheci outro artista com quem trabalhava, Sebastião Rodrigues Lima e fiquei profundamente deslumbrado com o que vi. Molduras de quadros, caixas variadas, organizadores de material de escritório, tudo, tudo, mas tudo mesmo feito como se a arte milenar dos marcheteiros árabes houvesse sido captada pelos dois. É fantástico o que ambos fazem. Comprei algumas peças, encomendei outras e com isto vislumbrei uma solução definitiva para presentes futuros.


Independentemente do prazer do reencontro, porém, restaram algumas dúvidas e desafios. Por que será que artistas tão bons como esses não têm projeção na cidade? Será culpa deles que se amodestam na promoção pessoal, ou caberia à cidade se olhar mais e melhor?


Mas outras questões me perturbaram: como podem dois moços, brasileiros, captar um fazer artístico tão refinado? Honestamente, só vi trabalhos equiparados aos deles em viagens pelo Marrocos e Argélia, e, para tirar prova convido todos a uma visita àquele atelier. Mesmo sem autorização de ambos, passo-lhes o telefone de contato (3686 3760) e solicito aos que forem um favor: digam-me se tenho ou não razão.



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