É claro 
                      que as eleições significam o auge da festa 
                      democrática. É por ela que nos mobilizamos 
                      fazendo um exercício precioso de exame cívico. 
                      Não há dúvidas sobre isto. Ademais, 
                      a coleção de detalhes que se expressa nas 
                      escolhas de nossos representantes fermentam ânimos 
                      que animam a esperança de que um dia compatibilizemos 
                      o sonho da voz de Deus expressa pela voz do povo. Tudo isso, 
                      porém, para os bons democratas, tem um sabor pedagógico 
                      identificado no tortuoso processo de aprendizado que identifica 
                      a democracia com o convívio com a diferença. 
                      E então, legitimamente, todos somos iguais.
                    
                      Por pior que sejam as campanhas, por mais deprimente que 
                      se mostrem os quadros partidários – e em nossa 
                      história isto, infelizmente, tem se repetido ad aeternum 
                      – há sempre lições a serem tomadas. 
                      Em vista do último pleito, uma série de slogans 
                      chamou a atenção geral e alguns deles foram 
                      colocados na internet resultando inclusive um curioso concurso 
                      nacional. 
                    
                      Mesmo ciente que o humor é parte do modo brasileiro 
                      de ver o mundo, a extensão pública e o entusiasmo 
                      com que muitos votaram (mais de 16 mil) fazem pensar nos 
                      mecanismos de aceitação e recusa que marcam 
                      o gosto dos eleitores. Mais que isso: provoca a reflexão 
                      sobre formas de proceder análises. Não é 
                      só para rir que as piadas servem, nem as referências 
                      pândegas. Muito mais profundo, o sentido do riso convoca 
                      juízos que de outra forma não apareceriam. 
                      Vejamos o plantel dos eleitos, em ordem decrescente:
                    8º 
                      lugar - Guilherme Bouças, com o slogan “Chega 
                      de malas, vote em Bouças”;
                      
                      7º lugar - Grito de guerra do candidato Lingüiça, 
                      lá de Cotia (SP): “Lingüiça Neles!”
                      
                      6º lugar - Em Descalvado (AL), tem uma candidata chamada 
                      Dinha cujo slogan é “Tudo pela Dinha”;
                      
                      5º lugar - Em Carmo do Rio Claro, tem um candidato 
                      chamado Gê “Não vote em A, nem em B, 
                      nem em C; na hora H, vote em Ge”; 
                      
                      4º lugar - Em Hidrolândia (GO), tem um candidato 
                      chamado Pé. “Não vote sentado, vote 
                      em Pé”;
                      
                      3º lugar - E em Piraí do Sul tem um gay chamado 
                      Lady Zu, “Aquele que dá o que promete”;
                      
                      2º lugar - A cearense chamada Debora Soft, stripper 
                      e estrela de show de sexo explícito, lançou 
                      o slogan: “Vote com prazer”;
                      
                      1º lugar, campeoníssimo - Candidato a prefeito 
                      de Aracati (CE): “Com a minha fé e as fezes 
                      de vocês, vou ganhar a eleição”.
                     
                      Muito mais que divertidos, além do criativo, o que 
                      se vê é que trocadilhos servem para popularizar 
                      aceitações que poderiam ser triadas por preconceitos 
                      que, infelizmente, não admitiriam na festa democráticas, 
                      candidatos gays, prostitutas ou mesmo semi-alfabetizados, 
                      tipos que, sim, fazem parte do que somos nacionalmente. 
                      É lógico que neste pacote risível, 
                      outros atributos entram para compor a proposta pitoresca 
                      do uso da língua como recurso de captação 
                      de votos. 
                    
                      As picardias que erotizam o discurso (o caso de “Tudo 
                      pela Dinha”, 6ºlugar, é expressivo e de 
                      igual teor o 7º “Lingüiça Neles!”) 
                      dão aspecto de provocativos, mas, sobretudo, mostram 
                      também a função do feminino e do masculino 
                      no contexto das disputas. Há ainda os que mostram 
                      a fineza do humor refinado e nesse sentido o 5º colocado 
                      (“Não vote em A, nem em B, nem em C; na hora 
                      H, vote em Ge”) é de um requinte único. 
                      Mas não podemos deixar de notar o vencedor, apontado 
                      com superlativos do tipo “campeoníssimo” 
                      que obteve 78,8% dos votos. Foi o riso provocado pela ignorância 
                      que mais atraiu. 
                    
                      Mas, espantemo-nos, nada mais democrático, nada mais 
                      representativo da esperança que devemos ter, pois 
                      só no Brasil isto poderia acontecer. Nosso futuro 
                      democrático, definitivamente, está garantido, 
                      pois até a ignorância tem lugar de aceitação 
                      (ou recusa) pública.