Estava em São Paulo no fatídico 
                      dia 15 de maio último. Doeu muito me sentir parte 
                      de um acontecimento que vai entrar para a história 
                      trágica do país como um dia de pânico 
                      ou, parodiando um dos lemas da cidade, o dia em que São 
                      Paulo parou. Preso no trânsito por duas horas, trocava 
                      observações com o motorista do táxi 
                      que, por sua vez, estava preocupado com a família. 
                      Sequer os celulares funcionavam e isto dimensionava o caos 
                      gerado pelo congestionamento, medo e apreensão.
                      Vendo aquilo tudo acontecer, veio-me à cabeça 
                      o velho livro de H. G. Wells “A Guerra dos Mundos”, 
                      de 1938. Naquela trama, a Terra era invadida por marcianos, 
                      donos de uma civilização bem mais desenvolvida 
                      que a nossa. Li esse livro, ainda garoto, depois que soube 
                      que o insuperável Orson Welles em seu programa radiofônico 
                      em Los Angeles tinha aprontado uma brincadeira de conseqüências 
                      inimagináveis, em pleno clima de preparação 
                      para a Segunda Guerra. Em 1938, a população 
                      estava alarmada com a iminência da deflagração 
                      dos conflitos mundiais que estourariam no ano seguinte. 
                      
                      Em programa de enorme audiência, Welles simulou um 
                      ataque de marcianos. Tão realista era o relato que, 
                      tensa com os acontecimentos do contexto, a população 
                      entrou em desespero coletivo. Deu-se um corre-corre formidável. 
                      O que era uma ficção, de repente, gerou uma 
                      histeria incontrolável que se disseminou como rastilho 
                      de pólvora. Em pânico, a população 
                      começou a fugir dos “invasores” e num 
                      instante a cidade virou um pandemônio. São 
                      Paulo estava perto daquilo, garanto. 
                      Passado o susto do tal 15 de maio, voltada a normalidade 
                      dos dias, entre avalanches de explicações 
                      afeitas ao acontecimento uma chamou a atenção 
                      porque soava como espécie de premonição 
                      do que aconteceu. Um grupo de música Punk, Os Inocentes, 
                      fez um rock intitulado nada mais nada menos que Pânico 
                      em SP. 
                    A canção escrita em 1981 serviu 
                      de manchete para o jornal Notícias Populares quando 
                      em 1983 houve um tremendo quebra-quebra na cidade. A manchete 
                      alardeava Pânico em SP, Profecia Punk se realiza. 
                      Passados tantos anos, repetida a agitação 
                      popular, aquela letra exibe sua atualidade. Vejamos o que 
                      diz e pensemos na “coincidência”: 
                      As sirenes tocaram/As rádios avisaram/Que era pra 
                      correr/As pessoas assustadas/mal informadas/Puseram a fugir... 
                      sem saber porque/Pânico em SP, pânico em SP, 
                      pânico em SP/O jornal, a rádio, a televisão/Todos 
                      os meios de comunicação/Neles estavam estampados/O 
                      rosto de medo da população/Pânico em 
                      SP, pânico em SP, pânico em SP/Chamaram os bombeiros/Chamaram 
                      o exército/Chamaram a Polícia Militar/Todos 
                      armados até os dentes/Todos prontos para atirar/havia 
                      o que/Pânico em SP, pânico em SP, pânico 
                      em SP/Mas o que eles não sabiam/Aliás o que 
                      ninguém sabia/Era o que estava acontecendo/Ou que 
                      realmente acontecia/Pânico em SP, pânico em 
                      SP, pânico em SP/Pânico em SP”. Não 
                      é incrível?! 
                      Lembrei-me também de outra música, de 1999, 
                      que carregava o mesmo sabor de, digamos, adivinhação 
                      maldita. Quando fazia a pesquisa para o meu livro sobre 
                      o dia “11 de setembro: a queda das torres gêmeas 
                      de Nova York” (Companhia Editora Nacional, SP, 2005), 
                      descobri, em vez de um rock profético sobre SP, entre 
                      uma série infindável de coincidências, 
                      um funk chamado, imaginem, Em Setembro.
                      A música era uma faixa extra no álbum Pela 
                      Paz em todo o Mundo, do grupo Cólera . Ao lado do 
                      título que pode até soar irônico porque 
                      previa os acontecimentos de Nova York em 2001, havia também 
                      uma espécie de mensagem passada pelo nome do álbum. 
                      Um trecho da letra diz “vai nascer, vai morrer, acontecer…em 
                      setembro... só poeira e sangue… em setembro... 
                      tentam enquadrar o mundo no código penal, nasce o 
                      terrorismo…em setembro”. Não é 
                      assustador? Se não, pelo menos abre um convite para 
                      que pensemos melhor no significado da música popular 
                      e seu impacto social na memória coletiva.