Professor Marmo recupera a importância de um artista ítalo-brasileiro que sempre fez a hora e nunca esperou acontecer. Liberal convicto, fez campanha pela abolição da escravatura, engajou-se na luta pela República e foi defensor ferrenho da liberdade de culto.

Os norte-americanos,disseminaram a afirmação de que é deles a criação dos quadrinhos, surgidos sob a camisola do Yellow Kid, de Richard Felton Outcault. Na realidade, contemporâneo aos demais ilustradores e até mesmo atuando alguns anos antes deles, já estava no Brasil o pintor Ângelo Agostini, publicando nos jornais do Segundo Reinado, em linguagem gráfica, as aventuras de suas diversas personagens.
Embora tenha vivido grande parte de sua vida no Brasil e tenha finalmente se naturalizado em 1888, Ângelo Agostini não era originalmente brasileiro, pois nasceu em Vercelli, na Itália, pouco antes da metade do século XIX e veio para o Brasil quando tinha dezesseis anos. Aqui viveu até a sua morte, em 1910.

Tendo desde jovem se dedicado à ilustração, Agostini colaborou primeiramente na revista Diabo Coxo e depois em Cabrião. Possuía uma veia satírica bastante destacada, o que lhe valeu vários entreveros com a polícia do Segundo Império e, depois, com a da nascente República. Seu trabalho marcou esse período. É impossível realizar uma análise da história brasileira dessa época sem menciona-lo e a seu trabalho. Em Cabrião, apareceram seus primeiros trabalhos e ilustrações. Deve-se considerar que eles não tinham ainda os elementos característicos dos quadrinhos, como o balão ou a onomatopéia, algo que, aliás, também faltava ao trabalho tanto de europeus como de norte-americanos naquele período. No entanto, pode-se afirmar que os trabalhos de Agostini guardavam uma semelhança muito maior com os quadrinhos do que os dos autores acima citados. Era, então, o ano de 1864; as histórias em quadrinhos, tais como as conhecemos hoje, estavam longe de existir.
Durante sua atribulada vida, Agostini fez um pouco de tudo no que diz respeito à arte gráfica. Foi ilustrador freqüente de várias revistas, entre as quais se destacam Vida Fluminense e O Mosquito. Fundou e foi, durante mais de dez anos, o diretor da Revista Ilustrada. No fim de sua carreira, colaborou com a empresa O Malho, responsável pela revista infantil O Tico-Tico, de cujo logotipo foi o idealizador. E foi também a mente criativa por traz de várias personagens fixas, publicadas durante anos em algumas dessas revistas que estudiosos identificam como pioneiras entre as personagens fixas dos quadrinhos. Duas delas se destacam nesse rol.

Ângelo Agostini publicou sua primeira história com personagem fixa na Vida Fluminense, em janeiro de 1869. Intitulada “As aventuras de Nhô Quim”, ou impressões de uma viagem à corte, narra as experiências de um caipira perdido na cidade grande. A história é desenvolvida em uma série de situações hilariantes, na realidade constituindo muito mais variações em torno de um mesmo tema que um enredo contínuo com começo, meio e fim. Entre cada um dos episódios de sua série, o autor introduziu uma espécie de gancho, que deixava pressupor a continuidade no número seguinte do jornal. Essa modalidade narrativa funcionava muito bem como estratégia de marketing e como elemento de manutenção de uma clientela cativa de leitores, como já haviam descoberto os autores de folhetim.
Sua segunda personagem fixa, Zé Caipora, praticamente mantém a mesma temática de Nhô Quim. Mudam-se apenas os traços do protagonista, mas permanecem a mesma temática e forma narrativa. As aventuras de Zé Caipora foram publicadas de maneira não muito regular, de 1883 até 1886, na Revista Ilustrada; foram depois retomadas, durante algum tempo, no Don Quixote, e finalmente encerraram suas peripécias no periódico O Malho. Posteriormente, foram publicadas em álbum independente, com histórias redesenhadas por seu autor. Segundo os críticos, Agostini atingiu, em As aventuras de Zé Caipora, um grau de qualidade do desenho muito superior ao que havia atingido em sua obra anterior, As aventuras de Nhô Quim, gerando uma produção artística que ainda hoje se destaca pelas explorações criativas em que seu autor se aventurou.

Acima de tudo, Agostini representou um artista que jamais teve medo de ousar. Um exemplo ainda atual.
Durante sua carreira, Agostini e sua arte engajaram-se em várias causas. Liberal convicto, fez uma ferrenha campanha a favor da Abolição da Escravatura, que ocorreu em 13 de maio de 1888, e pela República, proclamada em 20 de novembro de 1889. Além disso, era a favor da liberdade de culto no país e contra a repressão da população. Em reconhecimento a sua importante contribuição para o fim da escravatura, recebeu do político e abolicionista Joaquim Nabuco o título de cidadão brasileiro.