Dia 
                      destes pensava nos limites impostos pelas definições 
                      correntes em nosso vocabulário. Verdadeiras prisões, 
                      os conceitos nos apertam e reduzem o que queremos dizer. 
                      Vendo isto como camisas de força, tenho me rebelado 
                      contra a simplificação dos significados. Neste 
                      sentido, briguei muito com os conceitos estabelecidos sobre 
                      a velhice. Não que não aceite a passagem dos 
                      anos. Pelo contrário, vejo nos muitos aniversários 
                      a delícia do envelhecimento com saúde, vigor 
                      profissional e filhos/netos por perto. 
                      Os dicionários, contudo, nos jogam para baixo e apenas 
                      nos reconhecem como debilitados fisicamente. Um horror! 
                      Veja por exemplo a citação ilustrativa do 
                      Aurélio para o “nosso” verbete “Envelhecera. 
                      O espelho mostrava-lhe os cabelos brancos, as rugas” 
                      (Heberto Sales, Histórias ordinárias, p. 107”. 
                      
                     Mas 
                      o que seria envelhecer?
 
                      Mas 
                      o que seria envelhecer?
                    Pretendendo 
                      ser mais generoso com os anos vividos, lembrei-me do soneto 
                      de Machado de Assis em que o autor retoma a consciência 
                      da fluidez do tempo “Mudou o Natal ou mudei eu?”. 
                      Talvez a transformação seja a grande marca 
                      das eras experimentadas. Não apenas a mudança 
                      do nosso corpo, mas como o envelhecer permite estranhar 
                      a sucessão de fatos e coisas ao redor. Como tudo 
                      muda! E como se rejuvenescem as palavras, os substantivos 
                      e adjetivos. 
                      Visitemos algumas referências que nos fazem sentir 
                      velhos: o tecido “brim” virou jeans; o velho 
                      “pão com carne assada e queijo” virou 
                      “sanduíche” que virou “Bauru” 
                      que virou “fast food”; “petisco” 
                      mudou para “aperitivo” que virou “deli”; 
                      “centro comercial” se transformou em “shopping 
                      center”. “Cheiro” virou “perfume” 
                      e, “safadeza de político ladrão” 
                      virou “caixa dois” que virou “dinheiro 
                      não contabilizado”. 
                      Se meu pai fosse vivo, provavelmente não gostaria 
                      que as “liquidações” de nossas 
                      lojas virassem “sale” e eu estranho muito quando 
                      vou comprar uma “passagem aérea” e entregam-me 
                      um “e-ticket”. Mas a coisa vai longe. 
                      Antes, as mulheres ficavam “incomodadas”, depois 
                      “menstruadas” e agora têm “TPM”; 
                      a antiga “danação” virou “neurastenia”, 
                      depois “histeria” e agora todo mundo anda “estressado”; 
                      na academia onde se fazia “ginástica”, 
                      hoje se “malha”, e, o que é pior, não 
                      se malhar para “arrumar o corpo” e sim para 
                      ficar “sarado” ou com “barriga tanquinho”; 
                      o “corpete” das moças virou “sutiã” 
                      e agora o “silicone” o dispensa; as mulheres 
                      do meu tempo usavam “rouge” e hoje se valem 
                      da mesma coisa para dizer glamourosamente “blush”; 
                      e “peruca” que virou “aplique” que 
                      foi substituído por “interlace” que deu 
                      lugar ao “megahair”; o famoso “alisamento” 
                      de cabelo virou “alongamento” e já é 
                      “chapinha” ou “escova progressiva”. 
                      Pode? 
                      Pode-se pensar que antes as pessoas “encrespavam” 
                      o cabelo, mas que agora elas “encaracolam”? 
                      E as “brilhantinas” que viraram “gel”? 
                      E quando a gente fala de correio então... ai que 
                      saudade dos selos coloridos, dos envelopes, telegramas, 
                      dos cartões de natal, hoje, tudo virou “e-mail” 
                      que, coitados, já se vêem ameaçados 
                      pelos “torpedos”. 
                      Que o “telefone móvel” virou “celular” 
                      todo mundo sabe, mas não é esquisito pensar 
                      que a “vitrola” se transformou em “toca 
                      discos” e no presente é “CD player”, 
                      depois vieram os “walkmen” e hoje já 
                      desbancados, solenemente, pelos “i-pod”. E os 
                      nossos moderníssimos “disquetes” que 
                      deram lugar aos CDs e agora são humilhados pelos 
                      “pendrives”? Lembram-se dos “discos 78 
                      rotações”, pois bem viraram “LPs” 
                      que agora são “CDs “e que podem ser contidos 
                      em “ships” quase invisíveis.
                    Vocês 
                      entendem o que eu quero dizer? Envelhecer é observar 
                      todas estas mudanças e não ter mais tempo, 
                      sequer, para lembrar como era antigamente, pois, “recordar 
                      não é mais viver”... não... é 
                      envelhecer. É coisa de alguém que virou “tiozinho”, 
                      que virou “coroa” e que pode pagar meia no cinema, 
                      ter lugar nas filas e nos ônibus, mas que sequer tem 
                      tempo para lembrar.