Por Beti Cruz
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A Câmara onde meu pai nasceu
Beti de Oliveira Costa Cruz foi buscar no fundo do baú algumas histórias familiares para homenagear seu avô Pedro Costa, seu pai José Geraldo e Judith Mazella Moura, grande amiga da família, primeira mulher a ser eleita vereadora na história de Taubaté.

Nas chamadas orais do terceiro ano primário, nos anos cinqüenta, a professora dona Sarah Bittencourt sempre me perguntava: “Quem é o presidente da Câmara?” Eu, com as faces coradas, respondia baixinho: “José Geraldo de Oliveira Costa”. Alguns alunos, sabendo que se tratava de meu pai, reclamavam.
Dentre todos os colegas, só Maria Zoé e eu já havíamos entrado naquele prédio onde os vereadores se reuniam. Nós não entendíamos bem para quê. A professora explicava, falava-nos das leis. Mas o assunto complicado não despertava grande interesse nas crianças. Sabíamos que tinham sido eleitos pelo povo. Das campanhas, nos lembrávamos com bastante clareza: as cédulas, os cartazes, os comícios na praça...
Eu ia ate lá buscar livros de Monteiro Lobato e Maria Zoé, às vezes, lá entrava para falar com seu pai, funcionário da Casa. A Câmara funcionava num casarão antigo situado na Praça Dom Epaminondas, no mesmo local onde hoje vemos o Banco do Brasil. Anteriormente, ele pertencera à dona Ana Emília de Castilho, que ainda jovem perdera o marido fazendeiro.
Viúva, dona Ana passou a cuidar das fazendas e das plantações de café. Acompanhava a colheita, vendia e negociava, causando estranheza no meio eminentemente masculino. Tinha três filhas: Ana, Maria Emília e Maria Eudóxia. A mais velha, Ana, casou-se com dr. Marcondes e foi morar em uma chácara na rua das Palmeiras, mais tarde ocupado pelo convento das Sacramentinas. Maria Emília casou-se com José Alcântara Machado d’Oliveira, professor de Direito e político na capital. Quando a mais nova quis se casar, dona Ana Emília impôs uma condição: que o casal morasse com ela. Assim, Maria Eudóxia e o jovem Pedro Costa, meus avós, passaram a viver naquela casa da esquina da praça.
Tio Antônio, tio Janjão, o desembargador Paulo Costa (meu tio avô), tia Marina, Major Carrinho, José Carlos Marcondes, Álvaro Braga, Lygia e Manuel Alcântara, Geraldo Cursino e Judite Mazella freqüentavam nossa casa e falavam muito de política. Era comum ouvir papai fazer comentários sobre discussões e polêmicas levantadas por um ou outro vereador ou pelo prefeito, mas eu nem prestava muita atenção.
Quando Judite estava por lá, ela e papai falavam alto, às vezes batendo a mão na mesa. Levantavam-se muitas vezes da cadeira e com o indicador em riste expunham seus pontos de vista, como se estivessem no plenário! De longe, preocupada, eu pensava que uma briga medonha ocorria entre eles. Mas não era nada disto. Somente ânimos exaltados. Mais tarde descobri que papai gostava de provocar Judite só para vê-la defender esta ou aquela causa com unhas e dentes!
Mamãe costumava acompanhar a sessão da Câmara pelo rádio. Sem nada compreender, o que eu escutava era uma gritaria geral, muitos homens berrando ao mesmo tempo e um sininho tocando sem parar. Em meio à balbúrdia, às vezes, eu conseguia ouvir a voz de meu pai que logo se perdia, misturada ao vozerio. O sininho tocava mais forte e finalmente só ele falava.
Certa vez, papai nos contou que um vereador da oposição em discurso exaltado reclamara de inúmeras coisas, inclusive que o presidente da Câmara “sendo pessoa de fora” não conhecia bem os problemas da cidade. Indignado, meu pai pegou o microfone e foi derrubando um a um os argumentos da oposição. E concluiu, inflamado, que não somente tinha nascido na cidade de Taubaté, como também, por incrível coincidência, exatamente naquela mesma sala onde os vereadores encontravam-se reunidos naquele momento.

 

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