O
HOMEM QUE CALCULAVA
Professor
Marmo recupera com maestria a história de um escritor que marcou
gerações mas que assinava seus livros e contos com um
pseudônimo: Malba Tahan
Júlio César de Mello e Souza quando tinha 23 anos, e era
colaborador do jornal carioca O Imparcial, entregou ao editor cinco
contos que escrevera. A papelada ficou jogada vários dias sobre
uma mesa da redação. Sem fazer nenhum comentário,
Júlio César pegou o trabalho de volta. No dia seguinte,
reapareceu no jornal. Trazia os mesmos contos, mas com outra autoria.
Em vez de J.C. de Mello e Souza, assinava R.S. Slade, um fictício
escritor americano. Entregou os contos novamente ao editor, dizendo
que acabara de traduzi-los e que faziam grande sucesso em Nova York.
O primeiro deles, A vingança do judeu, foi publicado já
no dia seguinte - e na primeira página. Os outros quatro tiveram
o mesmo destaque. Júlio César aprendeu a lição
e decidiu que iria virar Malba Tahan. Em 1925, decidiu que estava preparado.
Procurou o dono do jornal carioca A Noite, Irineu Marinho, fundador
da empresa que se tornaria as atuais Organizações Globo.
Marinho gostou da idéia. Contos das mil e uma Noites foi o primeiro
de uma série de escritos de Malba Tahan para o jornal. O sucesso
dessa idéia de Mello e Souza foi imediato e ele acabou escrevendo
dezenas de livros para seu Malba Tahan: A Sombra do Arco-Iris (seu livro
predileto), Lendas do Deserto, Céu de Allah, etc, etc e o muito
famoso Suas histórias eram sobre aventuras misteriosas, com beduínos
do deserto, xeiques, vizires, magos, princesas e sultões. Seu
livro mais famoso é O Homem que Calculava, que conta as aventuras
de Beremís, um árabe que gostava de resolver os problemas
da vida com soluções matemáticas. Confira uma de
suas histórias.
in “O
Homem que Calculava ", Malba Tahan.
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“Poucas horas havia que viajávamos
– eu e Beremiz Samir (O Homem que Calculava) – ambos montados
num camelo, pela estrada de Bagdad, quando nos ocorreu uma aventura
digna de registo, na qual eu e o meu companheiro de viagem Beremiz,
com grande talento, pôs em prática as suas habilidades
de exímio algebrista.
Encontramos três homens que discutiam acaloradamente ao pé
de um lote de camelos. Por entre as pragas e impropérios gritavam
possessos e furiosos:
___ Não pode ser!
___ Isto é um roubo!
___ Não aceito!
O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
___ Somos irmãos - esclareceu o mais velho – e recebemos
como herança esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de
meu pai, devo receber metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça
parte e ao Harim Namir, o mais moço, deve tocar apenas a nona
parte. Como fazer a partilha se a metade, a terça parte e a nona
parte de 35 não são exatas?
___ É muito simples, atalhou o Homem que Calculava. Encarrego-me
de fazer, com justiça, essa divisão, se permitirem que
eu junte aos 35 camelos da herança este belo camelo que, em boa
hora, aqui nos trouxe! Vou fazer a divisão justa e exata dos
camelos que são agora, como vêem, em número de 36.
E, voltando-se para o mais velho, Beremiz assim falou:
___ Deverias receber metade de 35, ou seja, 17 e meio. Receberás
metade de 36, ou seja, 18. Nada tens a reclamar, portanto, pois saíste
lucrando com essa divisão! E tu, Hamed Namir, deverias receber
1/3 de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber 1/3 de 36 que é
igual a 12. Também não podes reclamar, pois tu também
saíste com visível lucro na transação. E
tu, jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber
1/9 de 35, isto é, três e tanto. Vais receber 1/9 de 36,
isto é, 4. O seu lucro foi igualmente notável!
Ora, como 18+12+4=34, dos 36 camelos, restam 2. Um, já sabemos
que é do meu amigo e companheiro de viagem. O outro camelo que
resta, por direito será meu, pois vocês haverão
de concordar que eu fiz uma partilha justa!
___ Es inteligente, estrangeiro! Exclamou o mais velho dos três
irmãos. Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita
com justiça e equidade! E o astucioso Beremiz o Homem que Calculava
tomou logo posse de um dos mais belos “jamales” do grupo
e disse-me entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:
- Poderás agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo
manso e seguro! Tenho outro especialmente para mim!
Que explicação pode ter este estranho caso?”
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