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 Por: 
              José Carlos Sebe Bom Meihy 
              
              Há 
              duas datas que me comovem: dia dos pais e dos professores. Por lógico, 
              outras também me tocam, mas nenhuma como estas. E tenho minhas 
              razões para explicar isso. Emotivas e profissionais. Prometo 
              no dia dos professores falar sobre meus encantos pela docência, 
              mas agora quero dedicar-me aos pais. 
            
               
                 
                    
                      
                          
                          José 
                          Carlo Sebe com seu pai, senhor Abrahão | 
                       
                     
                    A 
                    cultura ocidental, sobremaneira, valoriza a mãe. Decorrência 
                    normal das leituras do Novo Testamento, em particular nos 
                    círculos cristãos, a mãe é decretada 
                    como “rainha do lar”, aquela que rege absoluta 
                    e em tantos casos tira o lugar dos pais. Sei que este tema 
                    é polêmico até porque mesmo algumas mulheres 
                    reclamam, e muito, da carga de estereótipos que se 
                    pesa sobre os ombros. Aliás, que o digam as depoentes 
                    do livro Perfect Madness - Motherhood in the Age of Anxiety 
                    (Loucura Perfeita -Maternidade na Idade da Ansiedade) que 
                    foi também levado às telas da TV com sucesso 
                    inquestionável. Mas há reservas de memória 
                    que traem o absoluto dessa informação.  
                    Não podemos esquecer que na cultura popular brasileira, 
                    em particular na música, o pai guarda lugar importante. 
                    Quem, por exemplo, não se emociona com a letra de Sérgio 
                    Bittencourt, composta em um guardanapo, no dia do falecimento 
                    de seu pai, Jacob do Bandolim, "Naquela mesa"? Veja 
                    que lindo este verso “naquela mesa está faltando 
                    ele e a saudade dele está doendo em mim”.  
                    Eu me estremeço quando ouço “Pai” 
                    na voz de Fábio Jr. e algumas passagens não 
                    deixam meus olhos secos: “Pai, pode crer, eu tô 
                    bem eu vou indo, tô tentando, vivendo e pedindo com 
                    loucura pra você renascer/Pai, eu não faço 
                    questão de ser tudo, só não quero e não 
                    vou ficar mudo/Pra falar de amor pra você...” 
                    Confesso que nunca consegui ouvir esta canção 
                    sem, pelo menos, me calar e, hoje dói mais do que nunca, 
                    recortar uma frase bendita “Pai, eu cresci e não 
                    houve outro jeito, quero só recostar no teu peito/Pra 
                    pedir pra você ir lá em casa e brincar de vovô 
                    com meu filho/No tapete da sala de estar/Pai, você foi 
                    meu herói meu bandido, hoje é mais muito mais 
                    que um amigo...” 
                    Mas, independentemente de figuras paternas em geral, tenho 
                    lembranças muito ternas de meu pai. O velho Abrahão, 
                    o turco do largo do mercado, era mesmo uma personagem incrível. 
                    Órfão, aos 14 anos cruzou mares para fazer a 
                    América. E fez.  
                    Seria, contudo raso demais tentar resumir algumas de suas 
                    façanhas em poucas linhas, mas há uma história 
                    que sempre gosto de contar. Papai era conhecido como adivinhador 
                    do sexo das crianças que iriam nascer. Lembro-me de 
                    muitos casos de mulheres grávidas levadas até 
                    ele para antecipar se seria mulher ou homem. Era famoso mesmo 
                    o meu pai. E ele encenava de forma dramática seu papel 
                    pedindo para a futura mãe mostrar-lhe a mão, 
                    como se a palma para cima ou para baixo quisesse dizer algo; 
                    solicitava também, não sem mistérios, 
                    que virasse o rosto de maneira a sugerir que se para a direita 
                    ou esquerda indicasse um sinal divino. Mas de fato nunca meu 
                    pai errou. Nunca. E tinha um segredo que aprendi a guardar. 
                    Ele olhava, olhava outra vez, e dizia algo assim: será 
                    menina. E se fosse, teria acertado sem dúvidas. Caso 
                    não fosse, ele ia a uma gaveta e tirava um papel onde 
                    tinha anotado o nome da grávida e escrito o contrário 
                    do que havia afirmado, e, então se houvesse alguma 
                    reclamação ele buscava o papel e dizia solenemente 
                    “não senhora, eu até escrevi que seria 
                    homem, olhe bem aqui”. E convencia. 
                    Como já disse por vezes multiplicadas, a cada hora 
                    tenho um livro favorito, mas se alguém perguntasse 
                    neste momento o mais querido diria sem pestanejar que “Quase 
                    memória” do Carlos Heitor Cony é meu preferido. 
                    Trata-se da história de um filho que recebe, depois 
                    do pai falecido, um pacote com lembranças que permitem 
                    reconstruir uma linda convivência. Se alguém 
                    quiser dar um presente, esta é uma boa sugestão. 
                    Faço-a em nome do meu pai. 
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              Jornal Contato 2005  |