Qualquer
semelhança não será mera coincidência |
Nos primeiros dias da febre que a nova loja da Daslu provocou
nos ricos, nos quase-ricos e na imprensa (em especial a paulistana),
a colunista social do Jornal do Brasil profetizava: a Daslu merecia
uma crônica, não uma notinha. Tal qual uma sacerdotisa
do antigo testamento a legislar sobre que tipo de oferta jornalistas
deveriam levar ao altar da classe AAA. Uma nota está para
o jornalismo como o pão francês para a panificação.
Estendendo a analogia, a crônica seriam os brioches de Maria
Antonieta.
Ninguém ficou livre da Daslu, a cobertura foi ampla –
na Folha e no UOL, no Estadão, no Globo, no iG e até
no Correio da Bahia e no jornal ValeParaibano. Em alguns momentos,
a mega-loja saía de cena e entrava, como protagonista, Eliana
Tranchesi, a proprietária do empreendimento. Há dois
anos, a revista Veja chamava Eliana de "Madame que faz".
Certamente, nestes nossos dias, Eliana é uma espécie
de Edir Macedo dos muito-ricos, uma seita que congrega 40 mil fiéis,
metade das 81 mil pessoas que têm renda média familiar
acima de R$ 26 mil, segundo pesquisa da FGV publicada pelo O Globo.
O templo da seita Daslu, é, sem dúvida, o recém-inaugurado
prédio na marginal Pinheiros, em São Paulo. Um labirinto
das marcas mais famosas do mundo, em que estacionar custa R$ 30
por hora e uma camiseta básica, branca, sai por cerca de
R$ 70. E um vestidinho pode chegar a custar o preço de um
apartamento quarto-e-sala.
As similaridades entre a Daslu e a Igreja Universal do Reino de
Deus são tão visíveis que nossos olhos nos
impedem de vê-las. A arquitetura do prédio –
de estilo neoclássico, com colunas romanas e muito mármore
– lembra bastante o Templo Maior de Edir Macedo, na Avenida
João Dias, não muito longe da nova Daslu. É
preciso ler esses sinais como quem lê um texto. É evidente
que a escolha estética de Edir Macedo e Luciana Tranchesi
diz algo sobre o lugar que ocupam (ou desejam ocupar) no imaginário
da população. O neoclassicismo – todo estudante
de ensino médio sabe – representava o retorno aos ideais
de beleza da Antiguidade, em especial aos da arte grega e romana,
para quem a beleza era universal. Traduzindo: só é
bonito aquilo que toma determinada forma, única e compreensível
a todos. Uma espécie de dogma.
Chegamos, enfim, a um ponto em que consumo e religião se
tocam. Hoje, tanto um quanto outro são experiências
cênicas. Houve quem relatasse, na temperatura da febre, que
vários dos guardanapos de linho puro com monograma da Louis
Vuitton teriam sido roubados pelos afortunados convidados do coquetel
de inauguração. Não basta o milagre, é
preciso um objeto da fé. Na Igreja Universal, são
os pequenos vidros com óleo santo de Israel, o sal, envelope
da promessa.
Ela mesma – Luciana Tranchesi – trata o negócio
com uma mística religiosa. Chama o novo prédio de
"Vaticano da Moda" e misturou ao concreto da construção
20 mil medalhas de Nossa Senhora das Graças, trazidas da
Rue du Bac, de Paris, como contou à repórter Luciana
Garbin, da Agência Estado.
Depois de ganhar como oferta os pães e brioches da imprensa,
a Daslu decidiu fechar as portas aos jornalistas. Como relatou o
Portal IMPRENSA, decidiram por uma atitude mais "low profile".
O mesmo que fez a Universal do Reino de Deus depois de chutar a
santa.
Para os ricos, o ritual continua.
PS: Para entrar no folclore dos coleguinhas: os fotógrafos
contratados pela Daslu para cobrir a inauguração,
segundo informou a coluna Gente Boa, de O Globo, receberam proposta
de permuta como pagamento. Um deles fez as contas e reagiu: se assim
fosse, só sairia de lá, depois de tanto trabalho,
com uma cueca e um par de meias.
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