Por Rodrigo Manzano
A Daslu e a Igreja Universal do Reino de Deus

"É tudo tão incrível, fantástico, surpreendente, que uma notinha em coluna é pouco, tem que ser uma crônica"
Hildegard Angel, Jornal do Brasil, 7 de junho


Qualquer semelhança não será mera coincidência

 

Nos primeiros dias da febre que a nova loja da Daslu provocou nos ricos, nos quase-ricos e na imprensa (em especial a paulistana), a colunista social do Jornal do Brasil profetizava: a Daslu merecia uma crônica, não uma notinha. Tal qual uma sacerdotisa do antigo testamento a legislar sobre que tipo de oferta jornalistas deveriam levar ao altar da classe AAA. Uma nota está para o jornalismo como o pão francês para a panificação. Estendendo a analogia, a crônica seriam os brioches de Maria Antonieta.
Ninguém ficou livre da Daslu, a cobertura foi ampla – na Folha e no UOL, no Estadão, no Globo, no iG e até no Correio da Bahia e no jornal ValeParaibano. Em alguns momentos, a mega-loja saía de cena e entrava, como protagonista, Eliana Tranchesi, a proprietária do empreendimento. Há dois anos, a revista Veja chamava Eliana de "Madame que faz". Certamente, nestes nossos dias, Eliana é uma espécie de Edir Macedo dos muito-ricos, uma seita que congrega 40 mil fiéis, metade das 81 mil pessoas que têm renda média familiar acima de R$ 26 mil, segundo pesquisa da FGV publicada pelo O Globo. O templo da seita Daslu, é, sem dúvida, o recém-inaugurado prédio na marginal Pinheiros, em São Paulo. Um labirinto das marcas mais famosas do mundo, em que estacionar custa R$ 30 por hora e uma camiseta básica, branca, sai por cerca de R$ 70. E um vestidinho pode chegar a custar o preço de um apartamento quarto-e-sala.
As similaridades entre a Daslu e a Igreja Universal do Reino de Deus são tão visíveis que nossos olhos nos impedem de vê-las. A arquitetura do prédio – de estilo neoclássico, com colunas romanas e muito mármore – lembra bastante o Templo Maior de Edir Macedo, na Avenida João Dias, não muito longe da nova Daslu. É preciso ler esses sinais como quem lê um texto. É evidente que a escolha estética de Edir Macedo e Luciana Tranchesi diz algo sobre o lugar que ocupam (ou desejam ocupar) no imaginário da população. O neoclassicismo – todo estudante de ensino médio sabe – representava o retorno aos ideais de beleza da Antiguidade, em especial aos da arte grega e romana, para quem a beleza era universal. Traduzindo: só é bonito aquilo que toma determinada forma, única e compreensível a todos. Uma espécie de dogma.
Chegamos, enfim, a um ponto em que consumo e religião se tocam. Hoje, tanto um quanto outro são experiências cênicas. Houve quem relatasse, na temperatura da febre, que vários dos guardanapos de linho puro com monograma da Louis Vuitton teriam sido roubados pelos afortunados convidados do coquetel de inauguração. Não basta o milagre, é preciso um objeto da fé. Na Igreja Universal, são os pequenos vidros com óleo santo de Israel, o sal, envelope da promessa.
Ela mesma – Luciana Tranchesi – trata o negócio com uma mística religiosa. Chama o novo prédio de "Vaticano da Moda" e misturou ao concreto da construção 20 mil medalhas de Nossa Senhora das Graças, trazidas da Rue du Bac, de Paris, como contou à repórter Luciana Garbin, da Agência Estado.
Depois de ganhar como oferta os pães e brioches da imprensa, a Daslu decidiu fechar as portas aos jornalistas. Como relatou o Portal IMPRENSA, decidiram por uma atitude mais "low profile". O mesmo que fez a Universal do Reino de Deus depois de chutar a santa.
Para os ricos, o ritual continua.
PS: Para entrar no folclore dos coleguinhas: os fotógrafos contratados pela Daslu para cobrir a inauguração, segundo informou a coluna Gente Boa, de O Globo, receberam proposta de permuta como pagamento. Um deles fez as contas e reagiu: se assim fosse, só sairia de lá, depois de tanto trabalho, com uma cueca e um par de meias.

 

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