Acompanhe a entrevista exclusiva com o rapper Dexter e saiba como funciona o projeto de ressocialização de presos mantido por uma rede de voluntários na Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos. A ideia nasceu a partir dos trabalhos artísticos desenvolvidos pelo rapper dentro da cadeia. Trata-se de uma iniciativa que visa mitigar os efeitos nefastos produzidos por um sistema que não regenera ninguém, muito pelo contrário. Enquanto o poder público se omite, Dexter cumpriu 13 anos na prisão, conquistou a liberdade e voltou para tentar recuperar quem ficou para trás por meio do projeto batizado de “Como Vai Seu Mundo”. No domingo, dia 1º, houve o evento de formatura da terceira turma e os detentos apresentaram seus trabalhos. A foto acima mostra o rapper durante o show para os detentos. A ideia é expandir a iniciativa para outras unidades prisionais assim que possível.
1 – Quando, como e porque começou o projeto Como Vai Seu Mundo?
O projeto iniciou em janeiro de 2011 por meio de um convite do juiz Jayme Garcia dos Santos Júnior, que na época atuava no Fórum de Guarulhos. Ele reconhece o meu trabalho e acreditou que poderia ser uma forma de ajudar no cotidiano dos meus companheiros de sofrimento. A partir daí, convidei o meu parceiro Eduardo Bustamente, que atua no Instituto Crescer, para que fosse o meu braço nessa empreitada. Ele aceitou o convite prontamente e acrescentou o instituto como o nosso parceiro. Desde então o projeto caminha cada vez melhor e já estamos na terceira edição.
2 – Qual o objetivo desse projeto?
É fazer com que os parceiros que se encontram privados da liberdade encontrem uma perspectiva melhor de vida. Estamos fazendo o papel do Estado, investindo na reinserção desses indivíduos na sociedade.  A intenção é reeducar essas pessoas que, infelizmente, são carentes de educação, cultura e informação.
3 – Quais são as atividades desempenhadas pelos detentos?
Várias. São ministradas oficinas de teatro, dança, música, vídeo, fotografia, jornalismo, cinema, rádio, entre outras.
4 – Quantas vezes por semana eles realizam essas atividades?
O projeto é ministrado em um semestre, e as oficinas são realizadas todas as quartas-feiras, com duração de quatro horas. O reeducando precisa comparecer, ao menos, em 50% das aulas para que consiga receber seus benefícios, ou seja, remissão de pena, e ao final do semestre seu diploma. Porém, acredito que o mais importante que eles recebem é tudo aquilo que eles aprendem no decorrer desse semestre. Esse sim, acredito eu, é o verdadeiro benefício.
5 – A partir da obtenção desse conhecimento, os detentos produzem algum material? Esse material é veiculado em algum lugar?
Produzem um jornal, vídeos, composições, fotos, peças teatrais, entre outros materiais. O jornal é semestral e é distribuído dentro da unidade prisional durante o evento de formatura. Os reeducandos também produzem conteúdo para o jornal Coletivo Peso, com publicação mensal, exercendo sempre a atividade que aprendeu na oficina. No dia da formatura, todo o material produzido no semestre é exposto. O trabalho é constante.
6 – É possível detectar talentos especiais entre as pessoas que participam do projeto?
Sim, a prisão é um grande celeiro de talentos. Alguns são maestros naquilo que desenvolvem. Acredito que se tivessem tido incentivos e oportunidades muitos deles não estariam presos.
7 – Quem financia e quem apoia esse projeto?
Apoiadores, vários. Financiadores, nenhum. Tudo é executado simplesmente pelo amor.
8 – Existem planos para expandir o projeto para outras unidades prisionais além de Guarulhos?
Sim, mas sem financiadores fica inviável. Estamos trabalhando nisso, nosso objetivo é exatamente esse: a expansão desse projeto. Dentro da unidade de Guarulhos estamos criando multiplicadores, reeducandos com grande potencial que certamente irão continuar atuando conosco em outros presídios.
10 – Como foi e o que rolou durante a formatura de domingo, dia 1º?
Foi lindo. É sempre muito gratificante poder ver o resultado de todo esse trabalho que é feito durante o semestre. Todos aqueles que participaram do projeto durante esse período também participam ativamente do encerramento, cantando, tocando, trabalhando na produção do evento, entre outras atividades. Poder ver a esperança nos olhos desses reeducandos no momento que recebem o certificado é indubitavelmente impagável. É disso que estou falando: ESPERANÇA! Eles entendem que são úteis e é exatamente aí que queremos chegar.
11 – Quem participou do evento?
Além dos envolvidos ativamente no projeto, tivemos a presença do grupo Katinguelê, do cantor e compositor Hyldon (parceiro de Tim Maia, Cassiano, Carlos da Fé, entre outros), o deputado e delegado federal Protógenes Queiroz (PCdoB), imprensa, direção do presídio, e familiares dos presos que assistiram a cerimônia do alambrado. Essa é uma realidade que estou tentando mudar.  Acredito que os familiares também têm total direito de acompanhar o evento lado a lado com os seus.
12 – Quais as possibilidades que se abrem para a pessoa que está presa a partir da formatura. Há mais chances de ressocialização? De que forma?
Nossa função é plantar a semente, mas o resultado depende da vontade de cada um. Todos os dias, a semente é regada com a essência do nosso projeto, que é amor, carinho, com foco na ressocialização. Estou em busca de parceiros para que os reeducandos saiam da oficina com oportunidade de trabalho, porque sabemos que é muito difícil a reinserção. Quando um preso deixa o cárcere ele encontra várias barreiras, principalmente o preconceito. Acredito que a nossa sociedade deveria ser educada, ou reeducada, para receber esses SERES HUMANOS que após cumprirem suas penas voltam para a essa mesma sociedade. O crime, as drogas, a violência, a intolerância, a impaciência, a ignorância, estão em alta. Mas a falta de oportunidade é a mais alta de todas elas. O sangue poderá começar a entrar por debaixo da sua porta, pense nisso!
13 – O sistema prisional hoje é capaz de regenerar alguém? Por quê?
O sistema é totalmente falido. Não recupera ninguém. Não existe interesse em políticas públicas para os presos, cursos profissionalizantes e muito menos escolas. É muito fácil entender essa política de retaliação em massa, o preso não VOTA!
14 – O Dexter deseja fazer uma consideração final?
Quero agradecer essa rica oportunidade de poder difundir nossos sonhos e objetivos. Obrigado pelo carinho e respeito. Paz a todos!
A HISTÓRIA DE SUCESSO E SOLIDARIEDADE DO RAPPER DEXTER FAZ PARTE DA REPORTAGEM “SISTEMA PRISIONAL EM CHAMAS” PUBLICADA NA EDIÇÃO 555 DO JORNAL CONTATO