Tem nova compositora, cantora e violonista na praça. Trata-se de Clara Gurjão, que acaba de lançar Ela (independente), seu primeiro álbum.

Começos são sempre plenos de dúvidas e incertezas. Ainda que algo nos diga que seria melhor se mudássemos para crescer, não é fácil abdicar do que habituamos sentir como um carma a ser vivido eternamente. Contudo, sempre há a possibilidade de que um lampejo de força, uma golfada benfazeja de lucidez, aplaque os medos que carecemos melhor conhecer para melhor conviver com eles.

Um verdadeiro salto para cima, lá onde os estreantes podem se ver com o distanciamento salutar que permitirá autocríticas. Exercício de humilde sabedoria que só faz engrandecer os que têm potencial, mas vislumbram que é preciso aprimorar ainda mais alguns desses atributos.

Voltemos ao primeiro CD lançado por Clara. São doze faixas, sendo que dez de sua autoria, uma de Caetano Veloso e um bolero de Ernesto Duarte Brito. Nelas estão expostos os seus talentos: clareza no lidar com as harmonias; sabedoria ao criar melodias; perspicácia no manuseio das palavras e nas formas poéticas de falar do que lhe é íntimo, permitindo aos que a escutam se identificarem com seu conteúdo; e jovialidade para buscar as levadas que sente como ideais para embalar cada gênero musical utilizado em suas composições.

 

 

Arranjos criativos e desempenhos virtuosos dão força ao repertório, onde o pop predomina. Lá estão, dentre outros, Danilo Andrade (teclados e percussão), Marcelo Costa (percussão e bateria) e Kassin (baixo), que também são produtores do disco com Clara. Bons músicos tocando ótimos arranjos, com os quais ela segue decidida, cantando enquanto toca violão em algumas faixas.

Tais qualidades estão presentes no primeiro disco de Clara. Mas não de forma que nos permita dizer que seus predicados já estão em seu auge. Ao ouvi-la cantando e tocando violão, fica nítida a impressão de que ainda há chão a percorrer e que é possível cogitar que seus dotes musicais ainda estão longe de se terem esgotados, longe disso.

Mas a música e a voz de Clara têm vigor – isso fica à flor da pele em “Leonino”. Tem coragem de se expor a comparações, cantando “Muito” (Caetano Veloso). Tem voz afinada, principalmente nas notas médias e agudas, como se ouve em “Como Se Fue” (Ernesto Duarte Brito). E tem humor que palpita em “Pequenos Segredos”: destaque para o seu papo “mulherzinha” com Silvia Machete e para o sax barítono (Rodrigo Revelles), que som bonito!

Ela é o salto para cima de Clara, que já anotamos ser boa compositora, cantora e instrumentista, mas que tem particularidades a serem aprimoradas. Ela tem tudo nas mãos para certificar-se de suas boas características e, com sensatez, procurar ir mais fundo ao encontro delas, aprimorando-as.

Enquanto curtimos seus atributos no primeiro disco, esperemos o segundo álbum de Clara Gurjão, que certamente terá tudo para cativar ainda mais do que já arrebatou em seu primeiro trabalho.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4