Fui preso político do dia 1º  de outubro de 1969 ao dia 22 de dezembro de 1974, mais de cinco anos, por lutar contra a ditadura civil-militar que assolava o país.

Na cadeia, a solidariedade sempre falou mais alto entre os presos políticos, apesar de alguns poucos recalcitrantes que insistiam em se manter fora do coletivo, ou, pior ainda, tentar levar alguma vantagem. Coisas da vida e do ser humano. O dinheiro arrecadado com o resultado do trabalho manual produzido por nós era vendido por nossos familiares e destinado às famílias mais necessitadas.Em 1968, o movimento estudantil era movido pela solidariedade de artistas e intelectuais que nutriam simpatia por aquela juventude que enfrentava a polícia nas ruas para denunciar a falta de liberdade. O saudoso físico e crítico de arte Mário Schenberg, considerado o aluno mais brilhante da Albert Einstein, doou muitas obras de arte para serem leiloadas para arrecadar recursos para a UNE – Unão Nacional dos Estudantes. Também não foram poucos os espetáculos de teatro e música que destinaram suas bilheterias para aquela juventude rebelde. A palavra chapa-branca não fazia parte do nosso vocabulário. Os tempos eram outros.Voltando à prisão, nós presos políticos nunca admitimos que nos confundissem com presos comuns. Recusamos uniformes e exigimos horários diferenciados para recebermos nossas visitas e para tomar banho de sol. Essa resistência incomodava as autoridades. Tentaram impor sua ordem por todos os meios. Até que resolveram nos separar, nos realocando em vários presídios.O isolamento poderia facilitar nosso aniquilamento físico. Antes que os beleguins do regime o fizessem, iniciamos uma greve de fome. Foram três. Optamos por uma tática que permitia manter sob nosso controle o direito à vida ou à morte. A greve de fome mais longa durou 33 dias. O custo foi alto. Mas sobrevivemos.

No último domingo, 23, a colunista Monica Bergamo, da Folha de São Paulo, publicou confidências do mensaleiro condenado José Dirceu. Bergamo é porta-voz informal do PT e em particular do ex-ministro. Na sua coluna ela faz um “relato sobre a rotina do ex-ministro José Dirceu no presídio da Papuda”.

Bergamo conta que “Dirceu está preocupado. Caso a tese de quadrilha seja confirmada, ele corre o risco de passar 22 horas por dia dentro de uma cela. Terá direito a apenas duas horas de banho de sol. É assim a rotina de boa parte dos presos em regime fechado na Papuda”. Dirceu é um preso comum. Alguma dúvida?

E mais, Bergamo revela que ele “passou a sair de trás das grades por algumas horas, de manhã e à tarde. No começo, fazia a limpeza do pátio. Varria e lavava. Colocava defeito na, digamos, infraestrutura: a vassoura que usava era velha, com os fios retorcidos. Não dava para limpar direito os cantos do chão, que acabava sempre um pouco sujo”.

Os presos políticos durante a ditadura não admitiam a possibilidade de “trabalhar” na cadeia, para a cadeia. Nem durante o Estado Novo e muito menos sob a ditadura civil militar pós 1964. Sujeitar-se às regras do sistema penitenciário significaria admitir ser preso comum. Nós éramos presos políticos e ponto. Não importa que fosse a Ilha Fernão de Noronha ou a Ilha Grande ou o Carandiru. Ali, ninguém havia feito nada para locupletar-se, como o fez José Dirceu, Delúbio, João Paulo e Henrique Pizzolato.

Por isso mesmo, entendo as pessoas de bom caráter que contribuíram para a tal vaquinha, feita para pagar a multa imposta pela Justiça aos políticos presos. É um comportamento semelhante ao do Genoino que “apenas assinou o contrato” com o banco para “financiar” o partido. Quem contribuiu com a vaquinha petista ajudou a lançar uma nuvem de fumaça sobre a origem daqueles recursos. O que sustenta grande parte dos doadores tem origem pública porque proveem de servidores em cargos de confiança.

A tal vaquinha não passa de uma forma de coletar dinheiro público de forma indireta. Porém, há os que batem no peito quando revelam que contribuíram com R$ 100, tal qual Genoino fez quando era presidente do partido e assinou contratos bancários fraudulentos, confiante na impunidade. O cidadão honesto acaba se igualando com o funcionário petista que fez uma contribuição de cerca de R$ 600 mil.

Os incautos de hoje terão muito a lamentar quando vier à tona a lama ainda invisível aos mais ingênuos. Aguardem.

Paulo de Tarso Venceslau