Lembro-me cantando para meus filhos a toada repetida todos os anos no período da Páscoa Coelhinho da Páscoa que trazes pra mim/ Um ovo, dois ovos, três ovos assim/ Um ovo, dois ovos, três ovos assim/ Coelhinho da Páscoa que cor eles têm/ Azul, amarelo, vermelho também. Dei asas à curiosidade e primeiro acionei minhas próprias lembranças. Em família de rígidos costumes, minha mãe comprava apenas um ovo para os três filhos, e não era grande. Com gravidade, como se estivesse corrigindo uma tradição, ensinava que deveríamos aprender repartir o que era bem comum e até caberia certo comedimento em dosar a delícia ao longo de dias, não de uma só vez.

Lembro-me adolescente aluno de colégio interno, na solenidade católica dos dias pascais éramos despertados por uma sonora banda em vez dos malfadados sinos cotidianos. E havia missa cantada com presença do bispo e coral afinadíssimo. Por algum motivo o hino nacional era entoado e a bandeira papal posta ao lado da brasileira. Vendo agora, acho estranha essa combinação.

Cresci acompanhando a indústria de ovos de chocolate se expandir e supreendentemente ver multiplicada a variedade de tamanhos, embalagens e exibições exuberantes. Já pai, cultivei a tradição dos ovos escondidos e motivava a lenda do coelhinho, mesmo sem ter certeza da recepção sempre desconfiada dos filhos. Sinceramente, era mais fácil eles engolirem a lenga do Papai Noel do que do coelhinho com os ovos. Aliás, eu tinha muita dificuldade em distrai-los contornando o que era sabido ser os ovos botados pelas galinhas. Enfim, tentava e até exagerava nas explicações estapafúrdias.

Crescido, logo aprendi que o tal coelhinho metaforizava a fartura, ainda que não se conte para as crianças suas estripulias sexuais. É verdade que há uma versão mais amena da presença do coelho que, apesar de não famosa, reza que em algum lugar uma jovem pobre mãe escondia os ovos coloridos na noite anterior e, certa feita, ao levar os filhos a descobri-los, mexendo em uma cova, os pimpolhos viram um coelho fugir ligeirinho.

Alguns com certa inventividade histórica relacionam os coelhos à mitologia egípcia e atestam que desde a Antiguidade os felpudos estavam relacionados à abundância de alimentos. Também repousa no tempo a sabedoria de que há nexo entre a época de maior ninhada dos coelhos no hemisfério Norte quando a lua se posiciona de maneira a determinar a fertilidade bichana. Então, a data é comemorada anualmente no primeiro domingo depois da primeira lua cheia que lá ocorre no início da primavera – e do outono em nosso hemisfério.

Por lógico, não cabe deixar de lado a referência judaica que celebra a libertação do povo de Israel do exílio egípcio, momento biblicamente chamado Êxodo. Segundo essa tradição, desde que José fora vendido como escravo, havia a reivindicação da liberdade de todo o povo que seguiu seu líder no cativeiro. Moisés foi o grande herói e condutor da “fuga” conseguida depois de profetizar a décima praga que, aliás, implicava na morte dos primogênitos das famílias egípcias. Segundo essa tradição, foi o próprio Deus que definiu a data a ocorrer no dia 4 de nisã, primeiro mês do calendário judaico. A esse evento deu-se o nome “pessach”.

Para os cristãos, a Páscoa é o dia da ressureição triunfal de Jesus, a data mais sagrada de toda liturgia. Segundo a Bíblia, depois de formidável padecimento e morte na cruz, Cristo lavou com sangue os pecados humanos. Abria-se assim nova oportunidade de remissão dos erros significados na passagem desta vida para a eternidade.

Interessante aproximar os fundamentos dessas tradições. Na festividade infantil temos uma espécie de ensaio da libertação da alegria mercadorizada no chocolate; pela ritualística judaica vigora a liberdade de conquista do próprio espaço; na situação cristã a liberdade de redenção da vida terrena e a ressureição para a vida eterna. Por uma ou por outra justificativa, vale considerar a Páscoa como passagem para novos tempos. Que seja dada a largada para uma Páscoa política. Estejamos juntos na alegria, na busca de liberdade e na ressureição de nosso país.