Imaginem um amador fazendo cálculos sobre complicada ponte que ligaria partes separadas. Suponhamos alguém desqualificado para funções cirúrgicas executando operação em ente querido. Que dizer de pessoas desprovidas de habilidades fazendo quitutes para banquetes, mecânicos mexendo em veículos. Os exemplos poderiam se multiplicar em milhões. É muito comum encontrar pessoas dando opiniões sobre a aptidão alheia, sem muita cerimônia. E mais fácil ainda os julgamentos na base do “certo X errado”, “bom X ruim” ou “deveria ser assim ou assado”.

Charge Paulo Freire recortada

Paulo Freire, um dos melhores educadores da nossa História

Há, porém, uma área em que pareceres exóticos frequentam debates sem nenhuma cerimônia e com muita truculência. A educação escolar, o ensino elementar mais especificamente, tem sido campo vulnerável a palpites de quantos não entendem nada de processos de transmissão de conhecimentos e acompanhamento educacional. E os resultados estão aí: religiosos fanáticos e fundamentalistas, pais alienados dos próprios deveres, livres atiradores destituídos de valores capazes de sustentar a democracia, isolados ou em grupos, se arvoram em juízes e culpam a escola por fracassos que os envolvem em deveres não cumpridos.

Antes de mais nada, é preciso reconhecer que a escola como qualquer instituição é um lócus dinâmico e sujeito a convenções universais. Em termos de funcionamento, tais instituições podem ser públicas ou privadas (e estas confessionais, ligadas a entidades religiosas, filantrópicas ou particulares). Toda escola tem deveres de transmissão ligados a um sistema central que a regula, inclusive constitucionalmente. Obedecendo a princípios consagrados desde a Grécia Antiga, as escolas têm como fundamento o exercício do saber como direito à livre formação. Nenhuma educação pode ser formatadora no sentido da limitação da criatividade ou da pesquisa. Aliás, se assim não fosse, como pensar em progresso científico ou cultural? Como imaginar o progresso se não houver liberdade e crítica? A indagação é elemento essencial e necessita de espaço para poder ter respostas. E o bom ar do conhecimento irrestrito é o único oxigênio da paz e do entendimento.

Garoto esperto

Na escola sem partido o aluno não pode ter ideia própria

No Brasil, como em toda a América Latina, o estado tem sido responsabilizado pela regência do processo educacional. Com medidas que dão autonomias a institutos que visam complementar ausências, caberia ao poder central deliberar sobre conteúdos. Ao longo da nossa história, porém, um fenômeno ligado ao crescimento do mercado tem assumido proporções sutis. Como mercadoria que gera divisas, muitas escolas particulares têm tomado lugar de investimentos do governo que, por sua vez, canalizaria verbas para outras atividades. O perverso desmonte das instituições públicas teve como ponto de inflexão no governo de Fernando Henrique Cardoso, com o consequente e progressivo processo de privatizações. O que se assiste desde então é o enfraquecimento desdobrado de tudo que diz respeito às entidades estatais. Hospitais, estradas, empresas de grande envergadura, tudo entrou no pacote que, para vender, antes desqualifica, aniquila, reduz e torna por fim mercadoria barata

Rio de Janeiro - Professores, servidores, alunos e ex-alunos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ) participam de um protesto contra a falta de recursos que tem causado prejuízos às atividades acadêmicas e aos atendimentos do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

            Alunos se manifestam no RJ em defesa da UERJ

A atitude política de desqualificação da escola pública vive seus dias de glória. O que se passa com o desmonte da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a quarta mais importante do país, é resultado desse processo traiçoeiro e vergonhoso. O mesmo se diz com a atitude vexatória de quantos defendem, sem conhecimento de causa, a tal “escola sem partido”. Certamente, antidemocratas e medrosos do que a liberdade possa lhes trazer, em nome de (suas) famílias, se proclamam críticos da educação sem fronteiras. Sem uso de argumentos pedagógicos, premido pelos próprios pecados, sem confessar razões, tais adeptos do obscurantismo temem que os filhos aprendam e desenvolvam senso crítico. O mundo mudou e tais mentes estreitas não sabem contextualizar a escola moderna com as diversas formas expressas nas comunicações de massa. Assim como não conseguem censurar a televisão, o cinema, controlar a pornografia que grassa na internet ao alcance dos próprios filhos, tais senhores e senhoras procedem uma injusta caça às bruxas que, certamente, tão bem conhecem, para evitar diálogos desejáveis.

Charge 2 pisque o olho

O professor é censurado na escola sem partido

A favor de uma educação que liberte, a escola precisa ter instrumentos de aprendizagem e conversa. Opinião pública não se ensina, se desenvolve com trocas. Cabe aos pais educar no sentido da formação moral, não à escola que, como instituição complementar, deve dar instrumentos para diálogos. Além do mais, como negar a inviabilidade do comprometimento com saberes que são sim ligados à política, pois como se sabe desde a cultura clássica “o homem é um animal político”. Não há formação isenta ou neutra, é preciso repetir até que se aprenda. Pensemos por exemplo no projeto dos estados nacionais do século XIX, não são eles ideológicos, patrióticos, centrífugos? Estes podem?

Por elementar e primitivo que pareça, cabe repetir que não é possível pensar em distanciamento cultural ou objetificação vazia do conhecimento. Estamos impregnados de ideologias e é bom que elas sejam postas em diálogo, em conversas, em discussão, em todos os sentidos. Seria ideal que alguns pais em vez de criticar materiais didáticos os comentassem e respeitassem os filhos em sua capacidade progressiva de construir as próprias opiniões. Não se cabe pessoas desinformadas e sem capacidade de escolhas. Seria bom, muito bom, que os responsáveis por projetos de governo se limitassem a ser bons políticos, se convertessem em melhores pais, e, sobretudo, que aprendessem a respeitar quem trabalha na educação a favor da democracia. Sem censura, com diálogo, e sobretudo com a redefinição do papel da escola na família (e da família com a escola), vamos construir um partido a favor da escola. Abaixo a escola sem partido.

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Bolsonaro é aliado do Movimento Brasil Livre, que defende a Escola Sem Partido. No vídeo abaixo, ele é recebido por apoiadores trajando camisa preta