Mestre Sebe revela algumas passagens curiosas na produção de um manifesto em defesa da vida, que viralizou antes de ser concluído

O sábado amanheceu nublado, morno, indeciso como que perguntando se viraria chuva. Virou um pouco, desvirou depois… Eu tinha viagem longa pela frente e a estrada que parecia cansada de tanta passagem protestava verdejando alguma esperança. Fim de verão, mesmo com pouca chuva. Contei alguns de meus mortos na pandemia e quando a ladainha dos números ameaçava ritmo, optei pela devoção ao celular, amedrontado, claro. Foi iluminar a tela e logo meu parceiro Sílvio Tendler perguntava se queria participar da redação de carta coletiva. Sou avesso a grupos grandes e com pretensão de unanimidade, mas o apreço fez combinar o tempo com o convite. Aceitei.

Cineasta Sílvio Tendler, um dos idealizadores do Manifesto

Aceitei sim, mas sem convicção alguma, pois conheço bem minhas resistências fiadas em desencontros dessa natureza. Imagine, uma coleção de intelectuais, artistas, religiosos de várias matrizes, todos juntos, tentando uma carta… A sucessão de propostas se multiplicava como tabuada incontrolável. Com meus botões, reforcei a premissa pessimista: não vai dar certo. E mais, o tempo passava, mais lances fermentavam: citar a Bíblia, usar palavras fortes, retomar exemplos históricos, longa ou curta, endereçada a quem, manifesto ou petição… Meu Deus, eu garantia minha expectativa: vai dar em nada. E pessoas e mais pessoas entravam na lista, confesso, me vi tentado a sair, mas não desisti do galope pelo teor dos participantes, gente de diferentes áreas, pessoas sérias.

Como maestro de orquestra até então improvável, Sílvio ia convidando, acatando, enviesando, contornando, como dono de gerúndios arrumados na pauta das possibilidades. Eram professores renomados, economistas de relevo, artistas de muitos ramos, uma floresta estonteante de gente inteligente, bem intencionada e com ânimo despertado. Mesmo assim, não vai dar certo, eu dizia. E quanto mais sondava desacertos, mais ampliava o leque de sugestões que iam sim se afinando. Dava-se o milagre da boa vontade. Era tudo muito vertiginoso, entusiasmante e de repente me vi convertido em adepto dos mais empolgados. Dei alguns pitacos, concordei com certas ponderações, refutei outras e eis que tínhamos um texto base. E haja participação. Tira, põe, retoma, acrescenta, volta, muda… E o dono dos gerúndios exercitava acordes na velocidade de gravações que dialogavam com tecladas vindas de todos os cantos.

Mestre Sebe trabalha ativamente em plena pandemia

Diria que houve etapas no crescimento do grupo. Primeiro plantou-se a ideia, depois os pressupostos, em seguida brotou-se o texto mãe, reparos feitos (mil reparos) e restava a logística: onde postar, como angariar mais adeptos… Nem sei dizer como tudo se ajeitou, mas bem se ajeitou de maneira a termos em menos de 24 horas mais de 100 mil acessos em versões em várias línguas. Segue o manifesto, segue também o pedido de divulgação deste texto que é um pouco o lamento de um punhado de pessoas devotas de mudanças.

MANIFESTO “VIDA ACIMA DE TUDO”

CARTA ABERTA À HUMANIDADE

“Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança.” Hannah Arendt

O Brasil grita por socorro.

Brasileiras e brasileiros comprometidos com a vida estão reféns do genocida Jair Bolsonaro, que ocupa a presidência do Brasil junto a uma gangue de fanáticos movidos pela irracionalidade fascista.

Esse homem sem humanidade nega a ciência, a vida, a proteção ao meio ambiente e a compaixão. O ódio ao outro é sua razão no exercício do poder.

O Brasil hoje sofre com o intencional colapso do sistema de saúde. O descaso com a vacinação e com as medidas básicas de prevenção, o estímulo à aglomeração e à quebra do confinamento, aliados à total ausência de uma política sanitária, criam o ambiente ideal para novas mutações do vírus e colocam em risco os países vizinhos e toda a humanidade. Assistimos horrorizados ao extermínio sistemático de nossa população, sobretudo dos pobres, quilombolas e indígenas. 

O monstruoso governo genocida de Bolsonaro deixou de ser apenas uma ameaça para o Brasil para se tornar uma ameaça global.

Apelamos às instâncias nacionais – STF, OAB, Congresso Nacional, CNBB – e às Nações Unidas. Pedimos urgência ao Tribunal Penal Internacional (TPI) na condenação da política genocida desse governo que ameaça a civilização.

Vida acima de tudo.