Existe um processo que corre sob segredo de justiça que poderia trazer muita luz para o Vale do Paraíba se o seu conteúdo fosse tornado acessível para o público; e de quebra, o nosso querido Rio Paraíba do Sul poderia ficar protegido de predadores do meio ambiente que não respeitam o ser humano e a natureza

 

Uma informação corriqueira chegou recentemente à redação: a realização de uma ação da Corregedoria da Justiça no Vale do Paraíba, com destaque para o Fórum da vizinha Caçapava. Uma rotina que sequer mereceria uma nota de rodapé. Chegou-se a aventar que poderia haver alguma denúncia sobre Taubaté. Na página 18 do Diário da Justiça eletrônico de 12 de junho de 2015 pode-se ler:

Resultado da Sessão Administrativa do Órgão Especial de 10/06/2015

11) N° 81.280/2015 e apensos – EXPEDIENTE de interesse de magistrado. – I – Decretaram o segredo de justiça, v.u. II – Determinaram o afastamento cautelar do magistrado, v.u. ADVOGADO: João Romeu Correa Goffi, OAB/SP n° 123.121.

O significado de v.u. é votação unânime. Quer dizer, todos os desembargadores votaram pelo afastamento cautelar de um juiz. Infelizmente, o conteúdo desse processo está e continuará sob segredo de justiça. O que não impede que nossa reportagem veicule o contexto do seu desenrolar.

 

Apesar de proibido, Franciscate pousava e decolava seu helicóptero dentro do condomínio Village até ser denunciado por um oficial do CAvEx e ser multado

Apesar de proibido, Franciscate pousava e decolava seu helicóptero dentro do condomínio Village até ser denunciado por um oficial do CAvEx e ser multado

 

Areeiro truculento

Adilson Fernando Franciscate é um conhecido empresário do ramo de extração de areia em Caçapava. Em agosto de 2014, ele foi condenado pela Justiça Federal por crimes que envolvem o meio ambiente. O juiz assim justificou sua participação: “A empresa Franciscate Extração e Comércio de Transporte de Minérios Ltda., explorou recursos minerais sem permissão do órgão competente, o que acarretou potencial dano ao meio ambiente e ensejou a elaboração do Auto de Infração Ambiental nº 178679, série A, de fls. 09, no qual se firma a suspensão das atividades de tal empresa na área Fazenda Marajoara s/ nº, Bairro Campo Grande, Município de Caçapava. Conforme Laudo Pericial, em fls. 23, a extração foi feita visando à obtenção de vantagem econômica por meio da comercialização do material extraído (areia), gerando potencial dano ao meio ambiente local. A denúncia foi recebida no dia 10 de janeiro de 2008”.

Adilson Franciscate

Adilson Franciscate

Em seguida, o magistrado tipifica os delitos:

“1. O art. 2.º da Lei n.º 8.176/91 e o art. 55 da Lei n.º 9.605/98 são normas que não se excluem, pois cada qual tutela um bem jurídico próprio.

2. A extração de areia sem autorização do DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral configura o ilícito previsto no art. 2.º da Lei n.º 8.176/91.

3. A extração de areia sem autorização da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e da CETESB caracteriza o crime capitulado no art. 55 da Lei n.º 9.605/98.

4. Sendo distintas as autorizações exigidas, não há falar em normas penais coincidentes e tampouco em conflito aparente de normas; o agente pode praticar um, outro ou ambos os delitos, conforme possua apenas parte das autorizações necessárias ou não possua qualquer delas.

5. No caso dos autos, os pacientes foram acusados de extrair e lavrar areia em cava submersa, sem autorização, permissão, concessão ou licença do órgão patrimonial da União”.

E condena:

“A pena-base (1ª fase), portanto, é fixada em 8 (oito) meses de detenção, sanção que considero suficiente para reprovação e prevenção do crime. Na 2ª fase, não há atenuantes, mas considero a agravante prevista no art. 15, inc. II, alínea a, da Lei nº 9.605/98 (ter o agente cometido a infração para obter vantagem pecuniária), aumentando a pena (utilizando a fração de um sexto – 1/6) para 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção. Na 3ª etapa de fixação da pena, não há causas de aumento de pena, restando definida em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade é o aberto (art. 33, 2º, c, CP). Seguindo os mesmos critérios para aplicação da pena restritiva da liberdade, e tendo por base a situação econômica do acusado, fixo a pena de multa em 18 (dezoito) dias-multa, cada dia-multa igual a 1 (um) salário-mínimo vigente na data do (s) fato (s). Art. 2º da Lei nº 8.176/91. A culpabilidade é exacerbada na espécie. Desde longa data o réu exercia atividade empresária no ramo de extração de areia e, portanto, sabia da indispensável necessidade de obtenção de licença ambiental e de concessão de lavra. Não pode ser punido da mesma forma que um empresário incipiente no ramo”… “Adilson Fernando Franciscate foi condenado a nove meses e dez dias de detenção pela prática do crime previsto no art. 55 da Lei n.º 9.605/98 e a dois anos e quatro meses de detenção pela prática do crime previsto no art. 2.º da Lei n.º 8.176/91 (sentença de fls. 266/277)”

Nossa reportagem apurou que o cidadão condenado nesse processo pela Justiça Federal e que responde por outros processos tinha livre trânsito no Fórum de Caçapava.

 

Antecedentes comprometedores

Em fevereiro de 2011, CONTATO publicou matéria de capa intitulada “Os coronéis do Rio Paraíba do Sul”, assinada pelos jornalistas Marcos Limão e Pablo Schettini. Em sua abertura eles contam: “Era para ser um passeio pelo rio Paraíba do Sul sem maiores sobressaltos. De repente, eis que surge um helicóptero preto e começa a fazer voos rasantes sobre as nossas cabeças. Na mesma hora, o pescador que conduzia o barco em que estavam os repórteres do CONTATO alertou: “É o Franciscate. É pra fazer pressão. Vai vendo. Ele vai dar a volta e parar bem perto da água. Ele faz isso com a gente!”. Dito e feito. O helicóptero voltou, aproximou-se do nível da água e depois sumiu. Estava confirmada a prática redundante do principal areeiro de Caçapava, Adilson Franciscate.

O empresário da extração de areia agiu antes de pensar. Talvez achando que se tratava de alguma ONG ambientalista, tentou intimidar as pessoas distribuídas nos 11 barcos da “Expedição S.O.S Paraíba do Sul”. Porém, as embarcações conduziam autoridades de todas as esferas do poder: municipal, estadual e federal. Quando se deu conta disso, sumiu.

Entre os presentes, estavam: prefeitos e vereadores de Campos do Jordão, São Luís do Paraitinga, Lorena, Cruzeiro, Tremembé, São José dos Campos e Jacareí, o deputado estadual Padre Afonso Lobato (PV), o deputado federal Carlinhos de Almeida (PT), o secretário estadual de Recursos Hídricos e Saneamento Edson Gebironi e membros da CESTEB, do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) e do CBH-PS (Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul)

Segundo apurou CONTATO, o helicóptero preto, prefixo PR-ERC, pertence à empresa Fábio Extratora Terraplenagem e Comércio de Areia Ltda. “Fábio”, no caso, é Fábio Fernando Franciscate, um garoto de apenas 22 anos e filho de Adilson Fernando Franciscate, um dos principais empresários da extração de Caçapava e Taubaté”.

 

Em 2011, momento em que o areeiro se aproximava de helicóptero de um dos barcos que transportava autoridades na “Expedição S.O.S Paraíba do Sul”

Em 2011, momento em que o areeiro se aproximava de helicóptero de um dos barcos que transportava autoridades na “Expedição S.O.S Paraíba do Sul”

 

Truculência

Na mesma reportagem os dois repórteres relatam um episódio em que o areeiro revela todo o seu potencial agressivo. “No dia 15 de junho de 2010, o Brasil venceu a Coréia do Norte por 2 a 1 no primeiro jogo da seleção canarinho na Copa do Mundo de 2010. O que era para ser uma festa transformou-se em transtorno para um Juiz de Direito de Taubaté, que mora com a família no R3 do Taubaté Village. Fábio, sua esposa, uma filha e Adilson e sua provável namorada agrediram o magistrado e a esposa quando conversavam com um funcionário do condomínio. O exame de corpo de delito do IML (Instituto Médico Legal) comprovou o fato”.

 

Helicóptero que o areeiro usou para intimidar prefeitos e vereadores de Campos do Jordão, São Luís do Paraitinga, Lorena, Cruzeiro, Tremembé, São José dos Campos e Jacareí, deputados federal e estadual e membros da secretaria estadual de Recursos Hídricos e Saneamento, da CESTEB, do DAEE e do CBH-PS em fevereiro de 2011

Helicóptero que o areeiro usou para intimidar prefeitos e vereadores de Campos do Jordão, São Luís do Paraitinga, Lorena, Cruzeiro, Tremembé, São José dos Campos e Jacareí, deputados federal e estadual e membros da secretaria estadual de Recursos Hídricos e Saneamento, da CESTEB, do DAEE e do CBH-PS em fevereiro de 2011

 

Helicóptero

Franciscate mudou-se do R3 do Condomínio Village, para o R7 onde existem apenas duas enormes residências. Abusado, começou a pousar seu helicóptero dentro do condomínio. Os demais moradores reclamaram, mas pouco adiantou. No dia 14 de maio de 2013, CONTATO registrou o pouso e a decolagem do helicóptero do areeiro, o mesmo que havia intimidado os participantes da “Expedição S.O.S Paraíba do Sul”.

Segundo informação não comprovada por nossa reportagem, um oficial do CAvEx residente no Village teria denunciado o areeiro, resultando em uma multa. O valor teria sido suficientemente elevado porque nunca mais o helicóptero foi visto pousando naquele condomínio.

Conhecido como um fanfarrão, Franscicate se comportava como se tivesse costas quentes suficientes para garantir-lhe a impunidade que dizia dispor. Um dos seus trunfos seria Thomaz, filho governador Geraldo Alkmin (PSDB), um dos pilotos de helicóptero contratado pelo areeiro. Thomaz Rodrigues Alckmin, de 31 anos, morreu no dia 2 de abril em um helicóptero em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Cinco pessoas morreram no acidente.

Esses fatos ilustram alguns aspectos do contexto em que todos os desembargadores do Orgão Especial que votaram pelo afastamento cautelar de um juiz que teria relações estreitas com o areeiro Franciscate.