Um artigo didático a respeito do assassinato de Celso Daniel quando era prefeito de Santo André, em 2002, me levou a consultar o autor, amigo, jornalista, poeta e escritor José Nêumane sobre a possibilidade de CONTATO divulga-lo. Sua resposta foi imediata: “Use á vontade qualquer texto meu. Precisamos nos encontrar, pois você pode me ajudar no projeto de desmascarar de vez a quadrilha petralha”. Dando início a essa parceria, começamos com o artigo veiculado no dia 04 de abril no seu blog no Estadão:

José Nêumane: jornalista, poeta e escritor

Ex-amigo em cova rasa

Mistérios sobre assassinato de Celso Daniel voltam à luz agora na Operação Lava Jato

Sobe o pano.

Um vaticínio macabro, atribuído ao ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral, acaba de dar o ar da desgraça. De acordo com alvitre reproduzido nos meios de comunicação após sua prisão por obstrução de Justiça na Operação Lava Jato, o petista de Mato Grosso do Sul teria avisado ao líder máximo do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, que enterrar ex-amigo em cova rasa gera um risco: o de este vir assombrar, em forma de zumbi. É o que parece estar acontecendo com o cadáver de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André que foi sequestrado e executado em janeiro de 2002, quando era o responsável pelo programa de governo da primeira campanha vitoriosa do ex-dirigente sindical.

Tudo foi feito para sepultar não apenas o corpo, mas também a história do escândalo, que começa com a cobrança de propinas de empresas de transporte público na cidade do ABC e terminou com uma bala na cabeça do protagonista. Quando o cadáver foi descoberto, de madrugada, na mata, em Juquitiba, a primeira reação do PT e de Lula foi desqualificar qualquer relação do assassínio com sua assessoria na campanha eleitoral, que o petista venceria. O então conselheiro econômico do candidato, Aloizio Mercadante Oliva, afirmou aos brados ao então diretor da redação do Jornal da Tarde, Fernão Lara Mesquita, que tudo não passava de um crime passional. A morte teria sido motivada, segundo ele, pela relação homossexual de Daniel com seu assessor próximo Sérgio Gomes da Silva, que dirigia a Pajero da qual o petista foi arrancado e levado para o cativeiro na favela Pantanal.

A primeira versão que o PT divulgou foi a de que o seus adversários, principalmente os tucanos, tinham interesse em usar o episódio para “criminalizar” o partido e prejudicar o candidato – hipótese que, não por mera coincidência, tem sido utilizada atualmente para tentar desqualificar o trabalho de Sergio Moro, dos procuradores e dos policiais federais da força-tarefa da Operação Lava Jato na investigação de roubo em estatais e bancos públicos. Tal denúncia, contudo, seria logo mudada para a do crime banal de extorsão seguida de morte acidental.

Dois episódios antecederam essa mudança. Primeiramente, o candidato Lula e seu lugar-tenente José Dirceu se reuniram com o então presidente Fernando Henrique Cardoso e seu ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, para, segundo a versão oficial divulgada pelos dois lados do encontro, acertarem a entrada da Polícia Federal (PF) nas investigações para evitar sua politização pela Polícia Civil paulista, sob o comando do tucano Geraldo Alckmin. O pedido foi aceito, a PF entrou em cena, mas em seguida desapareceu, sem explicações ao distinto público.

Em segundo lugar, logo depois a investigação, que começara a cargo do delegado regional de Itapecerica da Serra, Romeu Tuma Júnior, foi transferida para a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Questionado sobre o motivo da transferência, o então governador me disse que ela ocorreu para evitar exploração política pelo delegado, que era candidato a deputado estadual. Após o DHPP ter encampado a tese de Luiz Eduardo Greenhalgh, encarregado pelo PT de cuidar do caso no ABC, o inquérito foi resolvido rapidamente e a hipótese de extorsão seguida de assassinato acidental foi dada como definitiva.

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) e a família do morto, contudo, nunca concordaram com ela. Os irmãos Daniel resolveram, primeiro, contestar e, depois, se esconder. O mais velho, João Francisco, oftalmologista e apolítico, mudou-se para lugar ignoto em território nacional. Outro irmão, professor universitário e ex-militante de esquerda e do PT, Bruno José Daniel, foi viver em Paris com a mulher, Marilena Nakano, e os filhos. Tomaram tais decisões por temerem perseguição dos verdadeiros assassinos, segundo eles, sob a proteção do PT.

Marilena e Bruno viajaram quando souberam que o legista que fez o laudo cadavérico e apontou sinais de sevícia (o laudo foi, depois, eliminado do inquérito policial) tinha aparecido morto em seu consultório e a polícia encerrou o caso assegurando que fora suicídio. Em meu livro O que sei de Lula, publicado em 2012, listei sete mortos do crime, a começar por Dionísio Severo, o sequestrador, assassinado a facadas no parlatório do presídio na frente da advogada, a quem prometera delatar quem o tinha contratado. Tuma, que reconheceu o cadáver e chefiou a investigação em seu início, garante que já são 11. De novo no governo, Alckmin e seus antecessores no posto, Cláudio Lembo, José Serra e Alberto Goldman, nunca duvidaram da versão do PT encampada pelo DHPP.

Sérgio Gomes da Silva com quem Celso Daniel mantinha uma relação homossexual

Ainda assim, Serra encarregou a delegada Elizabete Sato de reabrir o caso. Ela me disse que estava convicta de que o crime não fora banal, mas tinha que ver com as denúncias de corrupção em Santo André. Só que encerrou o inquérito mantendo a versão original, após alegar que promotores e familiares não a convenceram de nenhum fato novo que motivasse sua reabertura. Entregue o relatório, foi promovida por Serra.

Mas o MPSP convenceu os jurados de Taboão da Serra, que condenaram seis acusados de participação do crime. Os promotores, todavia, nunca conseguiram incluir entre eles quem acusavam de ser o mandante, Sérgio Gomes da Silva. Pois este pediu e obteve habeas corpus do então presidente do STF Nelson Jobim. O pedido foi guardado na gaveta de cinco presidentes: Ellen Gracie, Gilmar Mendes, César Peluso, Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa. Ricardo Lewandowski concedeu-o no fim do ano passado e tudo voltou à estaca zero até que, agora, a Lava Jato desencadeou a fase Carbono 14 da Lava Jato.

Nunca se saberá se o aviso dado por Delcídio se concretizou. O certo é que, em 2014, Marcos Valério Fernandes, o operador do mensalão, pediu para fazer delação premiada e disse a duas procuradoras federais de Minas Gerais que recusara proposta de Silvinho Pereira, proprietário da Land Rover presenteada por interessado em propina da Petrobrás, para conseguir um meio de pagar R$ 6 milhões ao empresário de ônibus em Santo André Ronan Maria Pinto, que, segundo o emissário do PT, ameaçava delatar Lula e Zé Dirceu por sua participação na morte de Celso Daniel.

A delação premiada não foi aceita pelo Ministério Público Federal, apesar de Valério ter contado às procuradoras que ouvira de Silvinho, num café do hotel Sofitel (hoje Grand Mercury), na av. Sena Madureira, a solução afinal dada: a assinatura de um contrato bilionário da Petrobrás com o armador Shahim, cujo banco deu o dinheiro ao pecuarista Bumlai, que o teria repassado ao chantagista, que com ele teria comprado o controle do jornal Diário do Grande ABC. Mas a contadora de Alberto Yousseff, Meire Poza, entregou à Lava Jato o documento que comprova a versão de Valério. Então, o juiz Sergio Moro desencadeou a Carbono 14, mandou prender o dono do jornal e concluiu que a execução do assessor de Lula tem relação com o mensalão e o petrolão.

A versão de Meire Poza foi colhida pelo delegado Tuma, que a reproduziu no livro Assassinato de Reputações 2 – muito além da Lava Jato , que acaba de lançar pela Matrix. E o escritório da contadora pegou fogo na semana passada.

Pano rápido.