Em um texto sedicioso, Artur Xexéo troça sobre um dos temas mais perturbadores de quantos escrevem crônicas. Sob o título “A falta de assunto” (O GLOBO, 09/09/18), o autor evoca outros tempos, quando cronistas como Rubem Braga, José Carlos Oliveira, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, mestres do gênero, colocaram em palavras um dos mais expressivos dilemas de cronistas: a falta do que abordar, fenômeno também conhecido como “síndrome do papel em branco”. Humildemente, confesso que raras vezes padeci desse trauma, e me filio a Xexéo ao reclamar do reverso, ou seja, da fartura de assuntos a serem abordados. No cenário internacional, a começar pelas estripulias de Donald Trump, passando pelas tragédias da onda de imigração africana e da Venezuela, pela crise argentina, e da leva de corrupção na América Latina, as escolhas são infindáveis. Minha dificuldade não é, pois com a carência de tema, mas sim de tempo.

Um giro rápido pela cena brasileira pode confundir ainda mais qualquer escolha temática, e, basta ilustrar isso com uma semana que se iniciou com o incêndio do Museu Nacional, teve dois dias depois o esfaqueamento de um candidato a Presidente da República, em plena campanha. Não bastasse, tivemos em seguida a declaração de impedimento eleitoral de outro político, preso por corrupção, e ainda a substituição da chefia da chapa. Como a vida está movimentada, não? Pautas não faltam, e desgraças multiplicadas desmentem o aguardado setembro que viria soterrar o difícil agosto, “mês do cachorro louco”… A mim, como historiador não há como deixar algumas relações históricas de temas do passado, continuados nos fatos imediatos. Atento ao que Gumbrechet chama de “produção do presente”, no entanto, cabe avisar a picardia da história no tocante às agressões políticas que, inexplicavelmente, têm sido mostradas como novidade, fato sem precedente. Bobagem, a história de nossa política institucional tem sido superpovoada de extremismos.

OAdelio B O O agressor Adélio Bispo de Oliveira em manifestação política

Tomando como ponto de partida outros atentados políticos, me veio à mente um acontecimento ocorrido em 5 de novembro de 1897 quando o jornal Folha da Tarde noticiou que “O soldado Marcellino B. de Miranda, investira contra o Sr. Presidente da República. Neste momento o S. Marechal Ministro da Guerra, em um rasgo de sublime heroicidade colocou-se entre o soldado e cobiçada vítima dos furores jacobinos, protegendo-se com seu corpo e com sua espada… A arma homicida penetrou fundo no coração do bravo e leal ministro”. Atenção ao nome do perpetrador: o “B” de Marcellino era Bispo. Notem bem: Bispo de Miranda. Infeliz coincidência, o nome do atual agressor do ex-capitão Jair Bolsonaro ser Adélio Bispo de Oliveira, personagem que se diz mandante de Deus. Pior ainda, os dois Bispo agiram com facas em atos políticos. Antes, porém, de admitir maldição ao nome Bispo, convém lembrar que houve outro homônimo, Artur Bispo do Rosário, “profeta” que viveu o reverso e que, em vez de matar apregoava concórdia, harmonia. Paradoxo, pois este homem que ficou conhecido como criador da famosa frase “gentileza gera gentileza”, também dizia agir em nome do Criador.

Carlos lacerda

Carlos Lacerda sofreu atentado na campanha de 1954

Façamos uma viagem pelo reino da ironia histórica. Os dois bandidos – Marcellino Bispo de Miranda e Adélio Bispo de Oliveira – foram autores de atos extremos e violentos. Já o Bispo do Rosário, queria a paz, vestia-se de branco e declarava amor a humanidade. Este extremo entre a brutalidade e a harmonia convoca reflexões. Convém lembrar que as paixões políticas, principalmente no Brasil republicano têm se repetido mais do que a vã memória deixa vazar. Mesmo sem chegar ao (convenientemente) inexplicado caso Marielle, é bom trazer à lembrança o crime contra o senador Pinheiro Machado, em 1915, apunhalado pelas costas, no Rio de Janeiro. Em 1930 João Pessoa, então candidato a vice-presidente na chapa com Vargas, foi assassinado a tiros no Recife. Depois, e, em 1954, tivemos o famoso atentado a Carlos Lacerda, também no Rio. Não bastasse, em 1963, o senador Arnon de Melo, pai de Collor, desferiu um tiro em opositor e tendo errado matou outro colega em pleno Senado.

Seria mecânico terminar esta crônica constando a insistência do nome Bispo em polos diferentes – dois do mal, um do bem. Derrubando a barreira perversa que ilude a tradição política como pacto cordial, cabe mostrar a extrema violência da política nacional. É exatamente aí que vale mais a lição do Bispo do Rosário: gentileza gera gentileza. Já violência… Violência expressa ódio e legitima certos políticos que ferem a sociedade como um todo apregoando radicalismos.