Andava meio perplexo com a avalanche de más notícias que insistem em saltar dos noticiários. Como tantos, estou farto de saber das “novidades” que frequentam conversas, enlutam encontros, maltratam nosso dia a dia. De todos os cantos se somam tragédias que mais do que aborrecer convidam ao desencanto. Como suportar os bombardeios da interminável guerra síria, com incontáveis mortes de civis; fotos de crianças mortas em situação de abandono; de que maneira devemos nos portar com coleções de toscos barcos afundados no Mediterrâneo que diariamente engole refugiados norte-africanos?

E não é só alhures que tais eventos envenenam nosso viver, mostrando o destempero do mundo. Em nossa terra, como aceitar o fato de meninas violentadas por tantos rapazes que, ainda, as culpam; e a louca montanha russa dos acontecimentos políticos que em ritmo alucinante dispara um escândalo depois de outro promovendo a descrença absoluta na política; o ódio sendo incendiado contra partidos políticos que apesar das acusações são muito iguais? E o desemprego, as drogas, o tráfego de pessoas? Nossa, quanta coisa a chorar! É visível a tristeza que faz nosso cotidiano e nos convida a pensar na inviabilidade de futuro melhor. Meu Deus, quanta tristeza…

Frente a tudo isto, mediante o ciclone de desgraças que se materializa em jornais, sinceramente, estou aprendendo a ler notícias de outra forma. Antes, esfomeado por detalhes, investia tempo em informações e gastava horas em minúcias. Mesmo sabendo de tendências dos órgãos noticiosos, me detinha por horas e ia página por página. Atualmente, vejo manchetes, me detenho aqui ou ali, com velocidade confiro continuidades de fatos que se desdobram, e, apenas dou-me à leitura de um ou outro comentarista que gosto. Como se fora uma vingança do cotidiano que nos implica e arrasta para o fundo de um poço sujo, comecei a dar maior atenção a fatos que antes passariam sem tantos cuidados.

Foi assim, aliás, que cheguei a uma nota que me permitiu viajar por possíveis situações. Li que um site chamado Airbnb anunciou um quarto para alugar. A notícia seria desprezível se o tal cômodo não tivesse sido do poeta português Fernando Pessoa, no adorável Largo do Carmo em Lisboa, Portugal. Segundo o informe, o enigmático bardo teria residido lá por quatro anos. Diz o aviso que “o ambiente tem decoração que remete ao início do século XX, com máquina de escrever, mobiliário da época, malas antigas nas paredes e um chapéu igual ao usado pelo poeta”, e, de forma trivial a nota arrematava “A diária na alta temporada, está em R$ 340”. Não diria que fiquei tentado. Não. Até porque acho que algumas ilusões devem se manter na imaginação, aprendi que às vezes é melhor manter o sonho do que colocar em prática uma situação que o desminta. Mas dei asas à fantasia.

Envolto nessa atmosfera foi que me lembrei de um poema decorado quando ainda era menino e que de quando em vez reponta no meu cotidiano: “Tenho tanto sentimento/ Que é frequente persuadir-me/ De que sou sentimental/ Mas reconheço, ao medir-me/ Que tudo isso é pensamento/ Que não senti afinal/ Temos, todos que vivemos/ Uma vida que é vivida/ E outra vida que é pensada/ E a única vida que temos/ É essa que é dividida/ Entre a verdadeira e a errada”. Pois é, por certo não vou alugar o quarto de Fernando Pessoa. Nem preciso há muito dele que habita em mim e nem cobra aluguel.