O que explica tanta gente disposta a eleger Bolsonaro, segundo as pesquisas de intenção de voto, sabendo o que sabe ou não querendo nem saber?

Jair Bolsonaro é um apologista da tortura e nunca fez segredo disso. As barbaridades que ele diz são esperadas, ninguém deveria se surpreender quando — comentando as revelações da CIA sobre o Geisel — ele compara assassinato de Estado com palmadas no bumbum de um filho.

Não se sabe se sua candidatura sobreviverá às barbaridades, e eleitores mas, declarados por enquanto, podem seus sustentar apoiadores que seu candidato, digam o que disserem, é sincero como nenhum outro.

O Bolsonaro folclórico é sua própria explicação. O que explica tanta gente disposta a elegê-lo, segundo as pesquisas de intenção de voto, sabendo o que sabe ou não querendo nem saber? Ninguém se incomoda que fomos um Estado assassino? Ninguém se importa que até hoje nenhum torturador foi condenado em primeira, segunda ou terceira instância no Brasil?

Bolsonaro

A falta de memória ou de idade justifica a ignorância de muita gente sobre o que foram os anos da ditadura, mas a culpa disto é do silencio dos militares sobre seu passado e seus crimes. Não se ouviu nem um “Desculpe, gente”.

Quantos se lembram ou ouviram falar do quase massacre no Riocentro, no governo Figueiredo, o último dos generais presidentes? Só não morreram centenas de pessoas no show que aconteceria no local porque a bomba que deflagraria a tragédia explodiu no colo [do sargento que dirigia o carro] do capitão que a acionaria. Qual foi a consequência do atentado, que seria atribuído aos comunistas? Nenhuma. Pelo resto do seu governo, Figueiredo teve que conviver com aquele elefante na sala, tendo que responder “Que elefante?” sempre que lhe pediam explicações.

O Figueiredo já morreu, o capitão não sei, mas o elefante continua na sala, sem nunca ter sido explicado. E o elefante continua em silêncio.

Publicado em O Globo de 17 de maio 2018

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Versão do Wikipédia

Atentado do Riocentro é o nome pelo qual ficou conhecido um frustrado ataque a bomba ao Centro de Convenções do Riocentro, no Rio de Janeiro, na noite de 30 de abril de 1981, quando ali se realizava um espetáculo comemorativo do Dia do Trabalhador, durante o período da ditadura militar no Brasil. O atentado, perpetrado por setores do Exército Brasileiro insatisfeitos com a abertura democrática que vinha sendo feita pelo regime, ajudou a apressar a redemocratização do país, completada quatro anos depois, com a primeira eleição presidencial realizada no Brasil em vinte e quatro anos.

JB Figueiredo

Capa do Jornal do Brasil do dia 1 de maio de 1980

As bombas, levadas ao complexo num carro esportivo civil Puma GTE, seriam plantadas no pavilhão pelo sargento Guilherme Pereira do Rosário e pelo capitão Wilson Dias Machado. Com o evento já em andamento, uma das bombas explodiu prematuramente dentro do carro onde estavam os dois militares, no estacionamento do Riocentro, matando o sargento e ferindo gravemente o capitão Machado. Uma segunda explosão ocorreu a alguns quilômetros de distância, na miniestação elétrica responsável pelo fornecimento de energia do Riocentro. A bomba foi jogada por cima do muro da miniestação, mas explodiu em seu pátio e a eletricidade do pavilhão não chegou a ser interrompida. Na tentativa de encobrir o fracasso da operação, o SNI – Serviço Nacional de Informações culpou as organizações de esquerda – na época já extintas – pelo ataque. Essa hipótese já não tinha sustentação na época e anos mais tarde se comprovou, inclusive por confissão, que ele foi uma tentativa de setores mais radicais do governo (principalmente do CIEx e do SNI) de, colocando a culpa na oposição radical pela carnificina prevista a acontecer, convencer os setores mais moderados de que era necessária uma nova onda de repressão de modo a paralisar a lenta abertura política que estava em andamento.