Olavo de Carvalho e Steve Bannon, que teria contribuído para a vitória de Trump em 2016

Quando Jair Bolsonaro tomou posse no Planalto, em 2019, dois chefes de governo estavam presentes, Viktor Orbán, da Hungria, e Benjamin Netanyahu, de Israel. Ambos primeiros-ministros e líderes dos movimentos populistas, em seus respectivos países. Por motivo de força maior, Donald Trump não pôde vir a Brasília; mas enviou, por Twitter, mensagem calorosa ao novo presidente do Brasil.

Nada disso escapou a nossos analistas mais atentos. Mas tenho a impressão de que só agora começamos a entender, com mais clareza, o significado de suas consequências para o país. Talvez só recentemente tenhamos tomado consciência de que o presidente eleito já tinha um projeto no bolso, embora acreditássemos que não havia nenhum. O apoio daqueles políticos, além dos que não puderam vir à festa, indicava uma escolha ideológica consciente de Bolsonaro e sua turma mais próxima. A festa e os convidados estão no livro “Os engenheiros do caos” (Editora Vestígio, tradução de Arnaldo Bloch), escrito em francês pelo italiano Giuliano Da Empoli que, tendo sido conselheiro de Matteo Renzi, o derradeiro primeiro-ministro italiano social-democrata, hoje vive em Paris.

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Giuliano Da Empoli, autor do livro Os engenheiros do caos

Da Empoli narra as origens de um movimento político que, tendo sido formatado nos Estados Unidos, de Hollywood a Washington, teve seu primeiro pleno e proclamado sucesso na Itália, a partir das eleições de 2018. O que ele chama de “populismo real” é o resultado de uma concentração tecnológica contemporânea na disputa política, o uso de Algoritmo e Big Data, de trolls e fake news, para orientar os eleitores no rumo que interessa ao movimento. Uma revolução de direita sem armas, através dos princípios formais da democracia, feita para bagunçar com ela (a democracia). “Qualquer um pode crer na verdade”, escreveu Mencius Moldbug, blogueiro da direita alternativa americana, “mas acreditar no absurdo é uma real demonstração de lealdade”. Invente, invente sempre, porque a mentira vai dar a volta ao mundo, enquanto a verdade ainda calça os sapatos.

O grande ideólogo do populismo real é o americano Steve Bannon, que ficou famoso por “ter eleito”, em 2016, o improvável Donald Trump, graças a macetes originais com a internet e os algoritmos. Em reconhecimento, o novo presidente instalou Bannon num escritório vizinho ao seu, na Casa Branca, e deu-lhe um salário invejável. Em menos de um ano, Trump expulsou-o dali por inconveniente e ainda espalhou um tuíte em que dizia: “Steve, o babão, chorou e me suplicou por seu emprego quando eu o demiti”. O novo populismo de direita se alimenta também de emoções negativas e do escárnio, como instrumento de desprezo e imposição.

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 Viktor Orbán, da Hungria, e Benjamin Netanyahu, de Israel, líderes populistas

Bannon se instalou na Itália e, lá, participou das surpreendentes concertações entre o ascendente Movimento 5 Estrelas e a Liga, partido de extrema direita, com apenas 17% do eleitorado, onde Matteo Salvini, curiosamente chamado de “o Capitão” (?), até hoje espalha o medo e incita o ódio racial aos imigrantes. Bannon acabou tendo papel decisivo na eleição de Giuseppe Conte, atual presidente do Conselho de Ministros. Da Empoli conta que Conte foi desmascarado e humilhado pela imprensa, que desmentiu seu falso currículo de estudioso na NYU, Cambridge, Sorbonne e outras prestigiadas universidades.

O livro de Da Empoli começa lembrando a passagem do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe por Roma, no ano de 1787, durante o carnaval. Hospedado na Via del Corso, Goethe assiste perplexo à transmutação da sociedade italiana, com homens que viram mulher e mulheres que viram homem, tudo terminando em extrema violência. A descoberta da face sombria do carnaval, combinação de desvario, festa e porrada, sem critério e sem regras, “um festejo que o povo oferece a si mesmo”, se parece com a montagem do populismo real. Uma carnavalização da democracia.