Já foi dito e até consagrado que nosso tempo, o século XXI, é “da diversidade”. Mais que nunca, efeito de intrincados jogos de detalhes, as “diferenças” emergem de maneira a suscitar convívios definidos em códigos variados. Seja pela necessidade social de planos de sobrevivência, ou pelas regras jurídicas conquistadas, os conceitos se somam, dando fundamentação filosófica às condutas que extrapolam normas cotidianas ou simples regras de aceitação.

Não mais que de repente precisamos ter clareza de considerações que compõem comportamentos explícitos, muitas vezes tidos como naturais ou sem história. Nada na sociedade humana, nas relações sociais, decorre meramente dos tais instintos de sobrevivência. Em sociedade, tudo é constituído e acertado segundo interesses marcados pelo que Rousseau chamou de “contrato social”. É lógico que precisamos dos instintos básicos para a continuidade das espécies, e assim: respiramos, nos alimentados e cumprimos os desígnios reprodutivos. Mas viver em comunidades exige construções que se materializam em costumes e práticas regulativas e estas sempre são acordadas de maneira a um ordenamento de convívio. É aí que atuam os conceitos e as oposições especulares aos preconceitos.

Rousseau

Jean Jacques Rousseau: relações devem ser estabelecidas pelo “contrato social”

Levando a sério a inevitabilidade de acatamento dos “diferentes” – das minorias antropológicas: negros, deficientes físicos, mulheres, homossexuais, imigrantes – temos que questionar alguns supostos que sustentam tais desempenhos. Nessa linha, o termo “tolerância” se coloca como vulnerável à crítica. Tolerar implica acatar com reserva o “outro”. Seria como ceder lugar por convencimento racional.  Seria “admitir” e num esquema de respeito e direitos, “admitir” é pouco. Há decorrências sérias contidas nessa consideração, e, efeito imediato disso, implica a retomada intelectual que, por fim, discute a agência das coisas. Dizendo de forma direta, pergunta-se: a partir de quem se organiza o espaço do “eu” e o direito do “outro”? Indo ainda mais fundo no mar agitado dos conceitos de paternidade filosófica, cabe mais, e antes, de definir o lugar do “diferente”, o reconhecimento de um darwinismo social que tem garantido ao mais forte e mais adaptável um posicionamento como regente do ordenamento social.

Qualquer esclarecimento sobre o progresso deste debate exige evocação de dois pilares que se constituem no suporte das explicações do mundo contemporâneo: o “nascimento do eu” e a incessante briga entre o “objetivismo” versus “subjetivismo”. Não seria pouco dizer que tudo começou com o humanismo renascentista, com a emersão do indivíduo competente como centro da natureza. Desde então, os nomes começaram a aparecer nas obras de arte, os senhores a se notificarem como mecenas e os nomes próprios a progredirem poderes, uns sobre outros, anônimos. É assim, por exemplo, que se diz que Colombo chegou à América, ou que Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil. A História (escrita, de feições científicas, oficial e oficializadora) tem eras de construção que, por fim, começaram a ser abaladas pelas conclusões de Freud. Foi ele quem feriu o “eu” na acepção que temos hoje, universalmente acatado na vigência do capitalismo. E também é freudiana a remessa à semente capaz de aliviar a praga do egoísmo social.

Freud

Sigmund Freud revolucionou a construção histórica

O “subjetivismo” proposto pelo pai da psicanálise convida a pensar com base em debates assentados. Sem conhecimento dos percursos anteriores aos comportamentos em voga pouco progresso se vislumbra. Por certo, o tema merece considerações importantes e sensatas, mas, mesmo sob a carência de oportunidades de aprofundamento, ressalta-se a presença de dois conceitos que, se contrapostos em sentido filosóficos, podem ajudar o ingresso nos céus abertos dos direitos à história: “simpatia” e “empatia”. Gerações cresceram apreciando o “dever de simpatia”. Aprendeu-se (e ensinou-se) que “simpatia” era uma virtude inscrita na piedade e no reconhecimento da dor de “outra pessoa”. Durante décadas, isso abrangeu os chamados bons costumes. De forma retórica, aprendeu-se que é “simpático ser simpático”. Derivado do conceito grego de “sym-pathos” (sim = união; pathos = paixão), valorizou-se o direito do “outro” como atitude de acatamento, algo capaz de favorecer o convívio por um tipo de solidariedade concedida pela dor alheia.

Ainda que dicionários confundam os dois termos, é importante distingui-los, pois, empatia (in = dentro) vai além da condescendência, impetra mesmo “se colocar no lugar do outro”. Há ainda um fator a ser considerado na equação que justifica o “diferente” como objeto de reflexão. Enquanto simpatia permite a compreensão da dor alheia, empatia demanda se colocar na posição do outro. Atua nessa relação o sentido da solidariedade e da paixão. Não pode haver solidariedade sem paixão e o apelo apaixonado ganha sentido humanitário quando um se coloca não ao lado, mas no lugar do outro.

O mágico nesse debate é que a diferenciação entre os termos pode ser apreendida e discutida como ensinamento. Assim, não apenas justificar-se-ia o debate no nível da filosofia ou de refinadas contendas intelectuais. A apreensão dessas diferenciações pode ser captada também em nível de ensino, pois é fácil exemplificar e com o exercício tornar pedagógica a explicação dos direitos de tantos que, afinal, justificariam a premissa de que “todos são iguais perante a lei”.