Um padre que sobrevive da ajuda de fieis e uma família proprietária de uma enorme gleba de terras desde o final do século 19, mas não tem recursos para pagar um bom advogado, enfrentam uma das maiores empreiteiras da Região

(Na foto: Testemunhas de Dona Ivonne de Moura Alves, 86 anos: Djalma Vieira, Maria Aparecida Moura, César Abifadel, Gildo Barbosa dos Santos, João Barbosa dos Santos, Caio e Jair)

 

Padre Alberto Martins de Oliveira resiste há mais de 5 anos. Porém, tudo indica que o poder do dinheiro prevalecerá, engolfando autoridades religiosas e pessoas que comprometeram seriamente o trabalho filantrópico de uma entidade como a Sociedade São Vicente de Paulo. O religioso reside na Casa Paroquial reformada pela comunidade das saudosas Casas Pias, que há mais de um século foram doadas pela família Guisard para abrigar pessoas idosas e sem recursos de Taubaté e Região. Mesmo assim, um conhecido promotor público passou por cima do desejo da família registrado em Cartório e deu um parecer favorecendo uma grande empreiteira local que insiste em fazer tábula rasa no espaço dos velhinhos carentes para erguer arranha-céus altamente rentáveis.

Essa poderia ser mais uma história sobre o preço cobrado pelo progresso inexorável, que mais dia menos dia expulsa a população carente para “o seu devido lugar”. Mas nesse caso a resistência persistente do padre Alberto e de entidades como a Preserva Taubaté, que insistem em não entregar a alma para empresas que atuam como verdadeiros predadores da memória da terra de Lobato, tem incomodado o pessoal do andar de cima.

No caso das Casas Pias, trata-se de uma manobra que envolve terrenos e famílias que foram e continuam sendo literalmente grilados por gente de toda espécie. Suas propriedades foram apropriadas indevidamente e parte delas foi usada justamente como moeda de troca para “adquirir” o terreno da Sociedade São Vicente de Paulo onde se localiza o que resta do asilo Casas Pias.

O hábito não faz o monge

Pode-se debitar o início desse imbróglio à gestão da Associação São Vicente de Paulo quando dirigida por Alexandre Mendes. Quem conta é Djalma Ferreira Vieira, 75 anos e vicentino há mais de 60 anos, quando ainda residia em Redenção da Serra.

Djalma assumiu o Asilo em Tremembé , no ano de 2000 a pedido de Amadeu Pelógia, quando se encontrava em um estado caótico. Três anos depois, tudo funcionava.

Em 2007, assumiu a segunda tesouraria da Sociedade quando dirigida por Alexandre Mendes. Logo percebeu que havia muita coisa errada: vendas de imóveis com contratos de gaveta, emissão de notas frias entre outras. Em dezembro desse mesmo ano pediu demissão do cargo.

No dia 19 de abril de 2008, mais de 300 vicentinos reunidos no ginásio de esporte do Colégio Idesa aprovaram a destituição do Conselho Central de Taubaté da Sociedade São Vicente de Paulo. Porém, um senhor conhecido como Gilmar, que representava o Conselho Metropolitano e o Conselho Central de Taubaté, na semana seguinte, tornou sem efeito a decisão.

Djalma conta que nessa mesma ocasião, um terço da área do Asilo na área central de Taubaté teria sido vendida para a Ergplan. Marcelo, vice-presidente da entidade, teria recebido R$ 360 mil da empresa. Simultaneamente, foram negociadas uma casa na rua Silva Jardim e metade de uma área na Avenida do Povo, entre outros imóveis. “Alexandre [Mendes] vendeu todos esses imóveis e não repassou um tostão sequer para a Casas Pias”.

Em Taubaté, Alexandre não foi incomodado pela justiça, mas em São Luiz do Paraitinga uma juíza determinou a reintegração de uma área que ele havia vendido e o condenou por estelionato.

Embora frustrado com o comportamento de alguns vicentinos, Djalma continua militando na entidade em Tremembé, onde cuida do dinheiro como tesoureiro do Centro de Convivência Amália Ozama, antigo Asilo São Vicente de Paulo.

Parque Paduã

Tudo indica que se trata da maior terra grilada hoje localizada na área urbana da terra de Lobato, então conhecida como Fazenda Ronda Grande, do falecido Guilherme Antônio de Moura, da qual se originou o bairro Gurilândia, na zona leste da cidade. Por falta de recursos financeiros, a família não teve como contratar advogados, facilitando desse modo a ação de pessoas inescrupulosas.

Os herdeiros de Guilherme resistem, tal qual o padre Alberto nas Casas Pias, a desistir de um direito que mais cedo ou mais tarde a justiça reconhecerá como legítimo. E enviaram para o Jornal CONTATO um relato minucioso e assinado por todos, que selecionou partes mais elucidativas.

 

Novas instalações da Casas Pias construídas em terreno sub judice

Instalações construídas pela Ergplan no Parque Paduan em área que a família
de Guilherme Antônio de Moura é proprietária desde o final do século XIX 

 

A história segundo seus atores

“Tudo começou lá na década de 1950, quando foram vendidos 62 alqueires dos 100 alqueires da fazenda para o Sr. Lycurgo Barbosa Querido, o qual fez o loteamento Gurilândia. Acontece que seu primo e sócio o Sr. Meirimar Barbosa dono do Cartório de Registro de Imóveis, não registrou os 38 alqueires remanescentes. O Sr. Guilherme veio a óbito, em 1965 e o inventario foi feito por um advogado indicado pelo Sr. Meirimar e o remanescente ficou de fora”.
(…) “No ano de 1982 toda a nossa terra, foi periciada pelo Sr. Aparício de Campos (perito judicial), que fez um mapa da sua exata localização, avaliou-a, para que fosse pago as custas, mas com a baixa renda da família, e sem o benefício da justiça gratuita, o processo veio se arrastando por anos, o pasto foi arrendado para diversas pessoas dentre elas o Sr. João Veroni que já está lá há quase 30 anos”.

“Devido a sua ótima localização de uns anos pracá, as nossas terras tornaram-se um objeto de cobiça de vários grileiros profissionais, que passaram a investir pesado e sujo contra nós para roubar as terras, dentre eles damos destaque para a Construtora Ergplan, que inicialmente fez negócio comprando nossas terras da Família Mariotto, que eram apenas nossos vizinhos e confrontantes, e os documentos que eles repassaram a Ergplan, se originava do Sitio Paduan que era o principal confrontante da Fazenda Ronda Grande… O Sitio Paduan em sua matricula mãe tinha apenas 15 alqueires, mas com o passar dos anos ele inexplicavelmente aumentou para 33 alqueires…”

Sentenças

“Uma sentença do processo Nº 1773/00 AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CONTRATO que a própria ERGPLAN COMERCIO E ENGENHARIA DE CONSTRUÇÕES LTDA moveu contra ESPOLIO DE ENIO COELHO (membro da família Mariotto), sentença essa concedida pelo M.M. Juiz da 5ªVara Cível desta Comarca, o Dr. Carlos Eduardo Reis de Oliveira….Pasmem !! A Construtora Ergplan, conseguiu provar aqui na 1ª instância que os Mariotto que ela acusou inclusive de serem estelionatários, não eram donos do terreno que eles lhes haviam vendido pois esse terreno pertencia a outra pessoa (que no caso somos nós, a Família Moura)…”

“Outra sentença foi concedida através do Processo de Retificação de Área nº 1501/97 fls 530/531 digitalizado para o nº625.01.1997.008863-2, julgada improcedente pelo M.M.Juiz da 2ª Vara Cível desta Comarca Dr. Luis Manoel Fonseca Pires, que foi taxativo ao dizer em sua sentença que a Família Mariotto não tinha mais área para retificar, sendo que em outro processo o Promotor ainda mandou que o Cartório de Registro de Imóveis, informasse quem era o verdadeiro proprietário dessas terras, e se havia alguma sobreposição, e o cartório, se manifestou nos autos, através de um parecer expedido em 2008 de forma bem clara dizendo que ‘’O TITULAR DE DOMINIO DA TERRA EM QUESTÃO É GUILHERME ANTONIO DE MOURA COM 78 CONFINANTES TABULARES ATRAVES DA T-6438’’, e principalmente sem nenhuma sobreposição”.

Enganados

A “maior e mais recentes dessas artimanhas ocorreram dentro do processo de inventário, onde nós já vínhamos de longa data sendo enganados por alguns dos nossos próprios advogados que se aliaram aos nossos maiores inimigos, invasores de nossas terras, fazendo tudo o que era possível e imaginável para prejudicar e atrasar o processo, em especial damos destaque para a nossa penúltima advogada, Dra. Paula Guimarães de Sousa Palmeira, que só gastou o nosso tempo, a fim de colaborar com os nossos inimigos. Ela tentou inclusive extinguir com o nosso inventario, cometendo inúmeras manobras com precisão cirúrgica e cronometradas para tentar dar fim nele, ignorando determinações que o juiz mandou cumprir, protocolando documentos em processo errado”.

“A Ergplan fez com que suas testemunhas mentissem muito, pois entraram sozinhas e ficaram muito à vontade (…) mentindo que a Ergplan tinha posse da área no Parque Paduan, que havia construído uma casinha dentro da mesma, na Rua Otavio Rodrigues de Souza desde 1998, onde desde essa data então, lá morava um funcionário deles. – Mas Deus escreve certo em linhas tortas; E eles se esqueceram que dentro do processo tem fotos do Google de 2008 e 2012, sem construção alguma, (somente pasto), e essa é só mais umas das provas de todos eles estavam mentindo….Em outras alegações as testemunhas da Ergplan disseram que a posse deles somada a da família Mariotto já somam 60 anos, (que é outra mentira), pois a posse é da Família Moura há 117 anos, comprovada em vários documentos registrados…”.

“(…) nosso processo inventario só tramita sem problemas quando está sob a ótica do M.M.Juiz titular Dr. Jorge Alberto Passos Rodrigues, que é um juiz muito rigoroso, mas quando esse mesmo processo passa para as mãos do M.M..Juiz auxiliar Dr. Rodrigo Valério Sbruzzi, ele retroage em suas sofridas conquistas, pois é bastante notório que a Construtora Ergplan, que além de ter se aliado a outros grileiros que também invadiram as nossas terras, ela ainda exerce muita influência sobre alguns funcionários de órgãos públicos, ela consegue influenciar alguns técnicos do judiciário, de posições estratégicas, que em momento oportuno, são induzidos ou erram, e acabam também por induzir o juiz já bastante atarefado como ocorreu com o M.M. Juiz auxiliar…”

(…) “Isso não é só um desabafo, isso é a nossa realidade, um alerta para a opinião pública e um pedido de socorro pois alguma coisa precisa ser mudada”.

Outro lado

Procurada, a Ergplan informou que se trata de um assunto sobre o qual só Carlos Eduardo Severo, seu sócio proprietário, pode se manifestar.