Com o andar da carruagem, a paisagem muda a cada curva na estrada. Céu azul pode esconder o temporal que não é percebido, mesmo estando logo adiante

            Quem vê Jair Bolsonaro fazendo proselitismo mentiroso e fanático para seus seguidores no cercadinho do Palácio do Alvorada tem a impressão de que nada mudou na rotina do ex-capitão. Ledo engano. O circo é o mesmo, a estrada é a mesma. Mas o temporal já se faz anunciar.

A mesmice que prevaleceu com a entrada de um magote de aventureiros na disputa presidencial não é mais a mesma. O filtro funcionou e continua excluindo os pangarés que se anunciavam competitivos. Hoje, existem quatro ou cinco que podem chegar no segundo turno – Lula, Bolsonaro, Ciro, Moro e um lambari que pode até sair da lambança tucana ou qualquer outra.

Uma das incógnitas são altíssimas as taxas de rejeição dos candidatos

Os marqueteiros de plantão desenvolveram uma tese: para participar da disputa com alguma chance o candidato precisa entrar no ano eleitoral, 2022 no caso, com dois dígitos nas pesquisas eleitorais. Hoje, a 10 meses das eleições, somente quatro dispõem desse capital. Provavelmente, o lambari sequer fará parte dessa “elite”. Os tucanos que sobreviverem à recente autofagia que o digam!

A polarização entre Lula e Bolsonaro é dada como mais que certa. Não haveria espaço para a chamada terceira via com empurrões e cotoveladas na disputa pelo espaço anunciado como o mais favorável para vencer o pleito de outubro. Ciro se debatia para tentar nadar nas águas turbulentas da disputa. Tudo indica que terá os dois dígitos mágicos necessários. Mas não passará para o segundo turno.

Sérgio Moro trocou a toga pelo palanque

A entrada de Moro na raia e seus dois dígitos na primeira curva acendeu luzes e tochas na cabeça e na análise de concorrentes e de muitos analistas. Tem algo de novo nessa disputa. A primeira e mais visível é a desidratação acelerada do atual inquilino do Palácio da Alvorada. Até os militares da ativa e da reserva que sempre lhe deram cobertura recolheram-se em suas tocas.

O que aconteceu?

O candidato à reeleição não é mais o mesmo. Seus discursos e ações minaram o crédito que tinha. Só lhe restam os frequentadores do cercadinho, no sentido figurado, é claro. A cada dia que passa aumenta sua semelhança com o candidato que foi impedido de disputar o pleito em 2018. O Auxílio Brasil é apenas o exemplo mais visível. As inaugurações programadas por quase todo o território nacional de obras construídas por outros governos são escandalosas. Sem falar nos recursos desviados do combate à pandemia. Exaustivo nomear todas as falcatruas.

Lula escorregou quando comparou Angela Merkel com Daniel Ortega

Uma das mais graves é a desmoralização das Forças Armadas envolvidas em episódios inaceitáveis pelos militares de carreira. Desgostosos, mandaram recado curto e seco: não conte mais com a tropa. Quem vencer leva. Restou uma dúvida: eles aceitariam ou não uma vitória de Lula? Mas o silêncio falou mais alto.

O cacife eleitoral do ex-presidente ainda está sólido, apesar das bobagens que falou em seu passeio europeu, quando insistiu em comparar Angela Merkel com Daniel Ortega, por exemplo. Mas nem se compara com o fiasco de Bolsonaro na Itália e nos Emirados Árabes.

Mantido o ritmo apresentado até agora, a candidatura Sérgio Moro poderá desbancar Bolsonaro da segunda posição no primeiro turno. Se as pesquisas eleitorais no início de 2022 apontarem nessa direção será o início do fim do sonho da extrema direita: o “mito” será apeado da disputa presidencial.

Os militares poderão fazer um acordo com ex-capitão como em 1988

Os militares terão resolvido vários problemas: compensar Bolsonaro como o fizeram através do STM (Superior Tribunal Militar) em 1988 para não manchar a carreira militar; oferecer-lhe a chance de disputar uma vaga no Senado ou na Câmara e assim garantir sua imunidade parlamentar; assegurar a vitória de Moro com a migração dos votos bolsonaristas órfãos, tucanos, setores conservadores sem rumo e todas forças antipetistas, sem precisar usar a força – militar ou jurídica – para impedir a participação de Lula no pleito.

Na minha opinião, diante desse quadro dificilmente Bolsonaro se manterá na disputa. Assim como os militares preferiram um acordo mal explicado para absolvê-lo e reformá-lo como capitão em 1988 apesar de condenado em 1ª instância, em 2022 essa mesma fórmula pode ser reutilizada. Diante da derrota anunciada, ele aceitará ser candidato a senador ou deputado federal. E não correrá o risco de ser preso.