Na terça-feira, 16, nossa reportagem seguiu para a região
do Morro do Santo Cruzeiro, onde se localiza o ponto mais alto
do município com 1.207 metros de altura, no bairro de Sete
Voltas, para registrar os estragos provocados por um incêndio
criminoso que queimou mais de 500 alqueires de Mata Atlântica
e pastos de mais de 70 propriedades rurais.
Depois de percorrer a pé
e registrar as fotos que ilustram essa matéria, nossa reportagem
retornou para o ponto de apoio: a sede da fazenda Santo Antônio
de Estevão Gabino Garcia Palhares, mais conhecido como
Gabino, o poeta e cantador do Vale. Lá se encontravam dois
peritos e um fotógrafo da Polícia Científica
de São José dos Campos, que haviam retornado de
uma visita aos focos do incêndio. Perguntado sobre a natureza
do incêndio, os policiais foram categóricos: “Foi
um incêndio criminoso. Localizamos pelo menos quatro focos
isolados”. São focos distantes que não poderiam
ser caracterizados como uma extensão natural do incêndio.
Mas não restou nenhuma dúvida sobre a natureza criminosa
do mesmo. Para não atrapalhar nas investigações,
CONTATO não divulgará as pistas já apontadas
e que estão sob investigação.
O enorme estrago pode ser
traduzido em uma única frase do poeta e cantador do Vale:
“Queimaram a caixa d’água de Taubaté”.
Não se trata de força de expressão. Na região
atingida convergem centenas de nascentes que abastecem o ribeirão
das Almas, maior afluente do rio Una, a maior e mais importante
fonte de água potável do município. Sua importância
é tanta que o Plano Diretor elaborado recentemente orienta,
tal qual o DAEE – Departamento de Águas e Esgotos
do Estado – já o fez, que ali seja construído
um grande reservatório para garantir o abastecimento de
água de Taubaté.
O
incêndio
No domingo, 7, quando retornava
de um programa de TV, em São Paulo, Gabino avistou o Morro
do Cruzeiro envolto por uma fumaça semelhante a um cogumelo
atômico. “Meu Deus, isso é lá em casa!!”
Nena Viola, que estava ao seu lado, mais otimista consolou-o dizendo
que não se tratava de incêndio. Poucos minutos depois,
ainda na via Dutra, João Francisco Ferreira, funcionário
de Gabino há sei anos e conhecedor da região onde
nasceu e se criou, telefonou para informar que se tratava de incêndio
e que já tinha chegado na Capelinha no Morro do Cruzeiro.
Era um incêndio anunciado depois de quase 100 dias sem chuva.
Imediatamente, Gabino seguiu
para o Corpo de Bombeiros, na avenida Tiradentes, em frente à
sede da Prefeitura. Lá, explicou ao sargento Simões
a gravidade da situação. Naquele momento não
havia uma única viatura. Por isso, o combate ao incêndio
só começou na segunda-feira, 8, pela manhã.
Foi montada uma brigada com doze voluntários orientados
por quatro bombeiros profissionais.
Na terça-feira, 9,
a Polícia Militar enviou 8 bombeiros para combater o fogo
e orientar a brigada de voluntários. Nesse mesmo dia, o
CAvEx passou a lançar bolsões de água de
seus helicópteros. Na mesma ocasião, assessores
do prefeito Roberto Peixoto davam entrevistas anunciando que estavam
participando diretamente do combate ao incêndio. “Desminto
essas pessoas em qualquer lugar. Eles só apareceram na
quarta-feira, quando levaram os bombeiros em uma Kombi caindo
aos pedaços ao sítio do Bibiano (engenheiro da prefeitura).
E os quatro membros da Defesa Civil, gente boa, ex-bombeiros,
não tinham o que fazer”.
A brigada conseguiu estancar
o fogo na divisa das fazendas Santana, Santo Antônio e Santa
Maria e o sítio Marambaia, do engenheiro Bibiano, da PMT.
O pior dia foi a quinta-feira,
11. Nesse dia o jornal Valeparaibano noticiou que cerca de 60
pessoas estavam empenhadas na luta contra o incêndio, que
já tinha devastado cerca de 64 alqueires de pastagens e
mata nativa. O comandante da Polícia Ambiental do Vale
do Paraíba, tenente Rodrigo Fernandes Dourado, naquele
momento, tentava mobilizar a sociedade organizada para ajudar
no combate ao incêndio que se concentrava na mata fechada.
“O trator de esteira
da prefeitura, fundamental para construir aceiros e abrir clareira
na vegetação para fim de impedir comunicação
de incêndios, só chegou no sábado, depois
do trator de Caieiras. E nesse dia o fogo só parou porque
choveu à noite”, denuncia Gabino. “Esse pessoal
só mentiu, pecou pela inércia e pela falta de atitude.
Eles não sabem eleger prioridades e não têm
qualquer compromisso com o meio ambiente. A grande ajuda deles
foi uma Kombi carregada de lanchinhos”, espeta Gabino. A
saída foi fazer o chamado fogo de encontro para combater
o fogo com fogo. Foi um momento de grande tensão. Gabino
viu-se isolado da brigada pelo fogo. Só escapou porque
conhece muito bem a região.
Na mesma quarta-feira, à
noite, foi registrada uma ação criminosa perpetrada
por um grupo de pessoas que ateou fogo em frente à fazenda
Santo Antônio, do outro lado da estrada. Na sexta-feira,
o incêndio criminoso se repetiu. A situação
só se normalizou no domingo, 14.
A
Região
A região atingida
é formada por trilhas centenárias, algumas com mais
de 400 anos, que serpenteia por todo o vale do ribeirão
das Almas.O fogo atingiu pelo menos 70 propriedades rurais em
uma vasta área que abriga centenas de nascentes que abastecem
o ribeirão das Almas, maior afluente do rio Una. Trata-se
de um rio essencialmente taubateano. No nosso município,
por exemplo, além do ribeirão das Almas, ele recebe
águas do rio das Antas que tem como afluentes o rio Macuco.
O rio das Sete Voltas, seu outro afluente, recebe águas
do ribeirão do Pouso Frio. Gabino garante que os volumes
desses rios já foram muito maiores.
O fogo começou no
bairro de Sete Voltas. Ali se encontro o pico do morro do Santo
Cruzeiro, o ponto mais alto do município de Taubaté
com 1.207 metros. O fogo destruiu todo o entorno da capela que
só escapou porque o terreno em sua volta é todo
capinado.
É uma catástrofe
anunciada. Segundo Gabino, cerca de 10 % da área rural
foi destruída pelo fogo. Nossa reportagem apurou que foram
queimados cerca de 3 % da área rural do município,
exatamente onde se concentra a maior reserva de Mata Atlântica
do município. Em fevereiro de 2000, Gabino publicou um
artigo premonitório no Diário de Taubaté.
Afinal, em setembro de 1999 já havia ocorrido uma queimada
criminosa na mesma região. “Será que não
é hora de parar de punir a natureza com asfalto e outras
modernidades?”, pergunta Gabino.
História e Tradição
A Fazenda Santa Maria, uma
das mais atingidas, é da família do ex-senador Severo
Gomes, falecido em 1992 em acidente de helicóptero, juntamente
com o deputado federal Ulisses Guimarães. Antes disso,
ela pertenceu ao Visconde de Tremembé, avô de Monteiro
Lobato que ali teria nascido. Aliás, o grande escritor
iniciou sua carreira literária como jornalista quando fez
suas primeiras reportagens sobre incêndios para o jornal
O Estado de São Paulo, em 1914. Hoje, a fazenda pertence
às irmãs Mariana e Marta, filhas de Heloísa
Rodrigues Alves, a Zuzi, irmã de Severo Gomes, assim como
Isabel, a Bila.
Assim como a Fazenda Santa
Maria, mais de 50 propriedades foram atingidas pelo fogo que envolveu
mais de 500 alqueires. Na sexta-feira, 12, a Polícia Ambiental
de Taubaté já estimava que mais de 64 alqueires
de Mata Atlântica já haviam sido queimados.
A fazenda Pasto Grande, é
a mais antiga do município, de propriedade do dr. Roberto
Rao, perdeu mais de 150 alqueires. Gabino teve 40 dos seus 80
alqueires queimados pelo fogo. Mais 15 dos seus 30 alqueires de
mata virgem foram queimados.
Para Rute Cursino de Moura
Guarnieri, “os prejuízos vão aparecer mesmo
quando começar o período de chuvas”. Sua família
é proprietária da fazenda São Judas, mais
conhecida como do Geraldo Cursino de Moura, seu pai e que dá
nome à estrada que liga a rodovia Osvaldo Cruz até
Caieiras. Para ela, o fogo teria começado na propriedade
de Daisy Ardito, sua vizinha. A propriedade da família
Cursino de Moura é uma das únicas que possui aceiros
e por isso foi pouco afetada. Gabino garante que a mata da São
Judas foi derretida pelo fogo.
Padre Afonso foi o único
político que esteve no local para prestar solidariedade
e ajudar nos encaminhamentos necessários.
Outro
lado
O responsável pelo
Plano Diretor, arquiteto Luiz Carlos Pedrosa, ouvido por nossa
reportagem disse: “Fiquei assustado e espantado com esse
episódio. Mas estamos trabalhando com o recém-criado
(há cerca de 2 meses) Conselho de Desenvolvimento Rural
para estabelecermos uma política junto com os proprietários
rurais para que sejam criadas várias brigadas regionalizadas
de combate a incêndio. O atual Plano Diretor apenas contemplou
a proposta feita pelo Corpo de Bombeiros para que sejam criadas
cinco novas unidades prevendo a expansão da cidade.”
A Prefeitura Municipal, consultada
por telefone e email, não se manifestou até o encerramento
dessa edição.
Acima: cenas da região devastada peo incêncio
criminoso sob investigação polícial; Abaixo:
os peritos Armando, Silvio e Amaral na Companhia de Gabino,
de chapéu