“Queimaram
a caixa d’água de Taubaté”

Durante 8 dias e 8 noites, de 7 a 14 de outubro, um incêndio criminoso queimou mais de 500 alqueires de Mata Atlântica e pastos provocando talvez o maior desastre ecológico e ambiental dos últimos tempos na terra de Lobato. “Mentiras, inércia e falta de atitude”, caracterizam o pouco caso e o despreparo da prefeitura para enfrentar tragédias como essa, segundo Gabino, o poeta e cantador do Vale, uma das vítimas

Por Paulo de Tarso Venceslau

       Na terça-feira, 16, nossa reportagem seguiu para a região do Morro do Santo Cruzeiro, onde se localiza o ponto mais alto do município com 1.207 metros de altura, no bairro de Sete Voltas, para registrar os estragos provocados por um incêndio criminoso que queimou mais de 500 alqueires de Mata Atlântica e pastos de mais de 70 propriedades rurais.
       Depois de percorrer a pé e registrar as fotos que ilustram essa matéria, nossa reportagem retornou para o ponto de apoio: a sede da fazenda Santo Antônio de Estevão Gabino Garcia Palhares, mais conhecido como Gabino, o poeta e cantador do Vale. Lá se encontravam dois peritos e um fotógrafo da Polícia Científica de São José dos Campos, que haviam retornado de uma visita aos focos do incêndio. Perguntado sobre a natureza do incêndio, os policiais foram categóricos: “Foi um incêndio criminoso. Localizamos pelo menos quatro focos isolados”. São focos distantes que não poderiam ser caracterizados como uma extensão natural do incêndio. Mas não restou nenhuma dúvida sobre a natureza criminosa do mesmo. Para não atrapalhar nas investigações, CONTATO não divulgará as pistas já apontadas e que estão sob investigação.
       O enorme estrago pode ser traduzido em uma única frase do poeta e cantador do Vale: “Queimaram a caixa d’água de Taubaté”. Não se trata de força de expressão. Na região atingida convergem centenas de nascentes que abastecem o ribeirão das Almas, maior afluente do rio Una, a maior e mais importante fonte de água potável do município. Sua importância é tanta que o Plano Diretor elaborado recentemente orienta, tal qual o DAEE – Departamento de Águas e Esgotos do Estado – já o fez, que ali seja construído um grande reservatório para garantir o abastecimento de água de Taubaté.

O incêndio

       No domingo, 7, quando retornava de um programa de TV, em São Paulo, Gabino avistou o Morro do Cruzeiro envolto por uma fumaça semelhante a um cogumelo atômico. “Meu Deus, isso é lá em casa!!” Nena Viola, que estava ao seu lado, mais otimista consolou-o dizendo que não se tratava de incêndio. Poucos minutos depois, ainda na via Dutra, João Francisco Ferreira, funcionário de Gabino há sei anos e conhecedor da região onde nasceu e se criou, telefonou para informar que se tratava de incêndio e que já tinha chegado na Capelinha no Morro do Cruzeiro. Era um incêndio anunciado depois de quase 100 dias sem chuva.

       Imediatamente, Gabino seguiu para o Corpo de Bombeiros, na avenida Tiradentes, em frente à sede da Prefeitura. Lá, explicou ao sargento Simões a gravidade da situação. Naquele momento não havia uma única viatura. Por isso, o combate ao incêndio só começou na segunda-feira, 8, pela manhã. Foi montada uma brigada com doze voluntários orientados por quatro bombeiros profissionais.
       Na terça-feira, 9, a Polícia Militar enviou 8 bombeiros para combater o fogo e orientar a brigada de voluntários. Nesse mesmo dia, o CAvEx passou a lançar bolsões de água de seus helicópteros. Na mesma ocasião, assessores do prefeito Roberto Peixoto davam entrevistas anunciando que estavam participando diretamente do combate ao incêndio. “Desminto essas pessoas em qualquer lugar. Eles só apareceram na quarta-feira, quando levaram os bombeiros em uma Kombi caindo aos pedaços ao sítio do Bibiano (engenheiro da prefeitura). E os quatro membros da Defesa Civil, gente boa, ex-bombeiros, não tinham o que fazer”.
       A brigada conseguiu estancar o fogo na divisa das fazendas Santana, Santo Antônio e Santa Maria e o sítio Marambaia, do engenheiro Bibiano, da PMT.
       O pior dia foi a quinta-feira, 11. Nesse dia o jornal Valeparaibano noticiou que cerca de 60 pessoas estavam empenhadas na luta contra o incêndio, que já tinha devastado cerca de 64 alqueires de pastagens e mata nativa. O comandante da Polícia Ambiental do Vale do Paraíba, tenente Rodrigo Fernandes Dourado, naquele momento, tentava mobilizar a sociedade organizada para ajudar no combate ao incêndio que se concentrava na mata fechada.
       “O trator de esteira da prefeitura, fundamental para construir aceiros e abrir clareira na vegetação para fim de impedir comunicação de incêndios, só chegou no sábado, depois do trator de Caieiras. E nesse dia o fogo só parou porque choveu à noite”, denuncia Gabino. “Esse pessoal só mentiu, pecou pela inércia e pela falta de atitude. Eles não sabem eleger prioridades e não têm qualquer compromisso com o meio ambiente. A grande ajuda deles foi uma Kombi carregada de lanchinhos”, espeta Gabino. A saída foi fazer o chamado fogo de encontro para combater o fogo com fogo. Foi um momento de grande tensão. Gabino viu-se isolado da brigada pelo fogo. Só escapou porque conhece muito bem a região.
       Na mesma quarta-feira, à noite, foi registrada uma ação criminosa perpetrada por um grupo de pessoas que ateou fogo em frente à fazenda Santo Antônio, do outro lado da estrada. Na sexta-feira, o incêndio criminoso se repetiu. A situação só se normalizou no domingo, 14.

A Região

       A região atingida é formada por trilhas centenárias, algumas com mais de 400 anos, que serpenteia por todo o vale do ribeirão das Almas.O fogo atingiu pelo menos 70 propriedades rurais em uma vasta área que abriga centenas de nascentes que abastecem o ribeirão das Almas, maior afluente do rio Una. Trata-se de um rio essencialmente taubateano. No nosso município, por exemplo, além do ribeirão das Almas, ele recebe águas do rio das Antas que tem como afluentes o rio Macuco. O rio das Sete Voltas, seu outro afluente, recebe águas do ribeirão do Pouso Frio. Gabino garante que os volumes desses rios já foram muito maiores.
       O fogo começou no bairro de Sete Voltas. Ali se encontro o pico do morro do Santo Cruzeiro, o ponto mais alto do município de Taubaté com 1.207 metros. O fogo destruiu todo o entorno da capela que só escapou porque o terreno em sua volta é todo capinado.
       É uma catástrofe anunciada. Segundo Gabino, cerca de 10 % da área rural foi destruída pelo fogo. Nossa reportagem apurou que foram queimados cerca de 3 % da área rural do município, exatamente onde se concentra a maior reserva de Mata Atlântica do município. Em fevereiro de 2000, Gabino publicou um artigo premonitório no Diário de Taubaté. Afinal, em setembro de 1999 já havia ocorrido uma queimada criminosa na mesma região. “Será que não é hora de parar de punir a natureza com asfalto e outras modernidades?”, pergunta Gabino.

História e Tradição

       A Fazenda Santa Maria, uma das mais atingidas, é da família do ex-senador Severo Gomes, falecido em 1992 em acidente de helicóptero, juntamente com o deputado federal Ulisses Guimarães. Antes disso, ela pertenceu ao Visconde de Tremembé, avô de Monteiro Lobato que ali teria nascido. Aliás, o grande escritor iniciou sua carreira literária como jornalista quando fez suas primeiras reportagens sobre incêndios para o jornal O Estado de São Paulo, em 1914. Hoje, a fazenda pertence às irmãs Mariana e Marta, filhas de Heloísa Rodrigues Alves, a Zuzi, irmã de Severo Gomes, assim como Isabel, a Bila.
       Assim como a Fazenda Santa Maria, mais de 50 propriedades foram atingidas pelo fogo que envolveu mais de 500 alqueires. Na sexta-feira, 12, a Polícia Ambiental de Taubaté já estimava que mais de 64 alqueires de Mata Atlântica já haviam sido queimados.
       A fazenda Pasto Grande, é a mais antiga do município, de propriedade do dr. Roberto Rao, perdeu mais de 150 alqueires. Gabino teve 40 dos seus 80 alqueires queimados pelo fogo. Mais 15 dos seus 30 alqueires de mata virgem foram queimados.
       Para Rute Cursino de Moura Guarnieri, “os prejuízos vão aparecer mesmo quando começar o período de chuvas”. Sua família é proprietária da fazenda São Judas, mais conhecida como do Geraldo Cursino de Moura, seu pai e que dá nome à estrada que liga a rodovia Osvaldo Cruz até Caieiras. Para ela, o fogo teria começado na propriedade de Daisy Ardito, sua vizinha. A propriedade da família Cursino de Moura é uma das únicas que possui aceiros e por isso foi pouco afetada. Gabino garante que a mata da São Judas foi derretida pelo fogo.
       Padre Afonso foi o único político que esteve no local para prestar solidariedade e ajudar nos encaminhamentos necessários.

Outro lado

       O responsável pelo Plano Diretor, arquiteto Luiz Carlos Pedrosa, ouvido por nossa reportagem disse: “Fiquei assustado e espantado com esse episódio. Mas estamos trabalhando com o recém-criado (há cerca de 2 meses) Conselho de Desenvolvimento Rural para estabelecermos uma política junto com os proprietários rurais para que sejam criadas várias brigadas regionalizadas de combate a incêndio. O atual Plano Diretor apenas contemplou a proposta feita pelo Corpo de Bombeiros para que sejam criadas cinco novas unidades prevendo a expansão da cidade.”
       A Prefeitura Municipal, consultada por telefone e email, não se manifestou até o encerramento dessa edição.


Acima: cenas da região devastada peo incêncio criminoso sob investigação polícial; Abaixo: os peritos Armando, Silvio e Amaral na Companhia de Gabino, de chapéu