Apostilas em xeque
Por Marcol Limão

 

     O sistema apostilado adotado na rede de ensino municipal de Taubaté transformou-se em um escândalo bastante conhecido, sendo inclusive a cidade personagem de uma matéria jornalística veiculada na revista “Istoé”, de circulação nacional.
     Na sessão legislativa de terça-feira, 18, o vereador Jéferson Campos (PT) fez o assunto voltar à tona quando denunciou mais um erro grosseiro encontrado nas apostilas. “Não dá pra acreditar. Um baita erro conceitual em História. Eu não posso aceitar um erro conceitual de uma apostila que custou R$ 33 milhões”, declarou o petista. Em seguida, o vereador Carlos Peixoto (PMDB) partiu para a defesa do sistema apostilado com argumentos poucos convincentes e de gosto duvidoso: “Se você pegar o livro do Paulo Coelho, que tem cadeira na Academia Brasileira de Letras, você encontra erros. Se você pegar o filme Titanic, uma das maiores bilheterias da história do cinema, vocês vão ver vários erros. ”
     No dia 07 de agosto, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal aprovou o requerimento do Deputado Federal Ivan Valente (PSOL/SP) para “discutir a contratação de empresas privadas do setor educacional, que oferecem formação aos professores, material, apostilas e o acompanhamento pedagógico correspondente, com repasses de verbas públicas.” CONTATO entrevistou o Deputado Federal por e-mail. Seguem os principais trechos.


Jornal Contato - Qual a sua opinião sobre o uso do sistema de apostilas adquiridas de empresas privadas?
Deputado Ivan Valente -
O uso de apostilas é extremamente limitado. É uma forma de garantir a homogeneização dos conteúdos, de padronizar as ações pedagógicas e estreitar a multiplicidade e diversidade de linguagens necessárias para o desenvolvimento pleno da cidadania - oferece apenas um ponto de vista, apenas uma visão do conhecimento.
Além disso, o sistema apostilado enquadra o professor, fere a sua autonomia e a das escolas de elaborar seus projetos educacionais para desenvolver um currículo pleno e contextualizado.

JC - Qual é o objetivo da realização da Audiência Pública na Comissão de Educação e Cultura, aprovada via requerimento de sua autoria, no dia 07 de agosto de 2007?
IV -
Temos a intenção de discutir a contratação, pelos sistemas de ensino, de empresas privadas do setor educacional, que oferecem formação aos professores, material, apostilas e o acompanhamento pedagógico correspondente, com repasses de verbas públicas.

JC - Em 2006, foi aprovado um requerimento com a mesma finalidade. Porque essa Audiência Pública não aconteceu?
IV -
Acredito que a audiência pública que requeremos não foi realizada, assim como outras igualmente aprovadas, porque a Comissão de Educação priorizou, em 2006, o aprofundamento das discussões em torno do Fundeb e outras questões relativas ao financiamento da educação. Como terminou aquela legislatura, todos os requerimentos, mesmo aprovados, foram arquivados, sendo necessário a reapresentação de novos requerimentos neste ano de 2007.

JC - A Audiência Pública aprovada em 2007 já aconteceu? Se a resposta for sim, quais foram os pontos levantados e quais serão as providências tomadas? Se a resposta for não, qual é a garantia da realização da mesma e quando ela acontecerá?
IV -
Não. O requerimento que apresentamos para discutir as terceirizações dos serviços no setor educacional foi aprovado recentemente e ainda não temos data definida, pela Comissão de Educação e Cultura – CEC, para a realização dessa audiência.

JC - Existe algum motivo para a municipalidade rejeitar os livros oferecidos pelo MEC? Por quê?
IV -
A rejeição desses livros é um grande equívoco. Mesmo que haja limitações, é um importante instrumento de suporte pedagógico que permite ampliação de conhecimentos, desde que não seja o único recurso utilizado. Os livros oferecidos pelo MEC são indicados pelos professores, que têm uma gama de opções de livros didáticos e podem escolher o mais adequado ao Projeto Político Pedagógico da Escola, aos seus planos de aula e às necessidades de seus alunos. Portanto, além de [as apostilas] não garantir ao aluno o direito ao livro didático e não dar autonomia ao professor para escolher, tem a questão do desperdício de dinheiro público. No caso de Taubaté é ainda mais grave porque os livros enviados ficaram mofando num depósito, conforme denuncias inclusive pela imprensa.

JC - O sistema apostilado por empresas privadas começou no estado de São Paulo. Ele tende a se espalhar pelo resto do país?
IV -
Sim, já temos noticias de vários municípios em outros estados da federação que também estão comprando o sistema apostilado de ensino. Isso está virando um grande negócio. O agravante é que esses sistemas apostilados não têm nenhum controle em termos de qualidade. Há casos de apostilas com graves erros conceituais e didáticos que passam em branco.

JC - Os municípios estão adquirindo as apostilas com dinheiro público? De onde provem esses recursos?
IV -
Muitos utilizaram a verba do Fundef, agora Fundeb, e outros com recursos próprios decorrentes dos 25% dos recursos [destinados à educação] previstos na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

JC - Quais são os nomes das empresas que mais aparecem nos casos de venda de sistema apostilados para os municípios?
IV -
As empresas mais conhecidas são: COC, Objetivo, OPET, Positivo, Anglo e Expoente.






O vereador Jeferson Campos (PT), na última sessão legislativa: “É mais um erro da apostila expoente. É lamentável a apostila custar R$ 33 milhões e apresentar erro conceitual. Não dá pra acreditar. Quem aprende errado são os alunos taubateanos. Eu faço um desafio, se o alto escalão da prefeitura tem filho na rede municipal [onde as apostilas estão sendo utilizadas]”

 



JC - Quais são as contrapartidas ou argumentos oferecidos ao Poder Executivo para adoção do sistema apostilado?
IV -
Não tenho conhecimento de como ocorre a negociação com os municípios. Acredito que numa jogada de marketing, ofereçam vantagens como: está aqui tudo prontinho, não é necessário fazer nada, temos o KIT completo - formação dos professores, materiais, apostilas, acompanhamento, avaliação, etc. Isso faz com que os gestores públicos se desobriguem de traçar, discutir e gerir suas políticas educacionais, de curto, médio e longo prazo e promover a qualidade de educação a que todos têm direito.

JC - O senhor já recebeu denúncias de educadores que se sentiram alijados pelo sistema apostilado adquirido de empresas privadas?
IV -
Sim, há muitos professores indignados por terem que desenvolver conteúdos, seguir apostilas, que não têm nada a ver com o projeto político-pedagógico e com as demandas da realidade local. Como pode o conteúdo de uma mesma apostila servir para os alunos de Ubatuba, de Sorocaba, de Ribeirão Preto e assim por diante? É um modelo pasteurizado de ensino e de aprendizagem.

JC - Seu requerimento cita a matéria jornalística da revista “Istoé” que relata o exemplo de Taubaté. Há a possibilidade de o prefeito ou o diretor de educação do município ser convocado para prestar depoimento à Comissão?
IV -
Pretendemos convidar o Ministro da Educação, a secretária estadual de educação e alguns secretários municipais de educação para que esclareçam qual a posição que têm diante da terceirização desenfreada da educação básica brasileira, nas diversas esferas governamentais. Os gestores de Taubaté poderão ser convidados, porém isso não garante que eles irão.