Casas Pias é vendida

A tranqüilidade e o sossego que impera na Casas Pias, entidade veiculada à Sociedade de São Vicente de Paulo que presta serviço aos idosos de Taubaté, não demonstram o açodamento, os mistérios e as acusações que envolvem a venda do seu terreno

Por Marcos Limão

         Poder, religião e dinheiro. Esses ingredientes apimentam a polêmica história sobre a venda do terreno da Casas Pias de Taubaté, localizada à avenida 4 de Março, em uma das áreas mais valorizadas da cidade.
O presidente do Conselho Central de Taubaté da Sociedade São Vicente de Paulo, Alexandre Gonçalves Mendes, na quarta-feira, 22, confirmou a venda do imóvel, a área “já está vendida!”
         Na quinta-feira, 23, Mendes divulgou uma nota à imprensa e declarou ter adquirido uma área de 20.000,00 m2, próxima a Rodoviária Nova, no bairro Parque Paduan, onde serão construídos 1.700,00 m2, com capacidade para 80 internos, no prazo estimado de 18 a 24 meses. O valor da transição e os nomes da imobiliária e do comprador não foram divulgados.
         A nota divulgada é um conjunto de acusações para enigmáticas figuras e/ou entidades. O assunto, segundo Mendes, “transformou-se em um assunto aparentemente polêmico, por conta de detratores vadios sem caráter, que, agindo sempre à sombra, protegidos pelo anonimato mas apodrecidos em suas entranhas, tentam conspurcar um trabalho sério (...)” Mais adiante: “E é exatamente isso que mais preocupa aqueles que nada fizeram enquanto podiam e deviam fazer, e que agora se contorcem na lama do ódio e da vingança, vomitando mentira e armando ciladas na calada da noite.”(sic)
         Apesar do palavreado de gosto duvidoso, a nota informa que “a elaboração do projeto está a cargo de uma equipe composta por uma arquiteta e engenheiros, contratados especialmente para desenvolver e implantar instalações modernas, funcionais, práticas, aconchegantes, em harmonia com as normas da Vigilância Sanitária (...)
         CONTATO apurou que a compradora teria sido a construtora ErgPlan. O proprietário da mesma foi procurado, mas não quis falar sobre o assunto.

Obra

         Casas Pias encontra-se em um terreno obtido através de “doação imemoriável” no final do século 19, ou seja, não existe qualquer documento comprobatório disponível, segundo um especialista consultado por CONTATO. Em julho de 2008, a entidade vai completar cem anos de existência. Atualmente, ela se mantém com a ajuda de cerca de 1.600 colaboradores fixos mais uma parte da aposentadoria dos idosos assistidos e uma pequena ajuda da prefeitura.

Ordem

         A hierarquia de poder dos Vicentinos funciona da seguinte forma: existe o Conselho Nacional, no Rio de Janeiro; o Conselho Metropolitano, em São José dos Campos; o Conselho Central, em Taubaté, responsável pela manutenção da Casas Pias, que é classificada como “obra unida”, pelos gestores da sociedade. Entretanto, a Casas Pias não deixa de possuir Diretoria Executiva e Conselho Financeiro próprios, com Estatuto e poderes deliberativos.

Atrito

         A briga oculta, envolvendo o nome da Casas Pias, aconteceu por causa de um desentendimento entre a Diretoria Executiva e o Conselho Central sobre a venda do terreno. O desacordo entre as partes acabou culminando na renúncia coletiva de toda a Diretoria da Casas Pias, no dia 04 de abril de 2007.
         Um mês antes do ato coletivo, um Manifesto fora elaborado pela Diretoria sobre “a questão da venda do imóvel da Casas Pias e esclarecimento à família vicentina” e entregue às principais autoridades da cidade, menos para o Poder Executivo. CONTATO teve acesso ao documento.

Alexandre Mendes


         O primeiro item do Manifesto informa que a venda do imóvel foi uma decisão unilateral do Conselho Central. O quarto item fala que “a Diretoria da Casas Pias propôs se elaborasse um plano de venda, deixando claro como seria a aplicação e a administração do dinheiro”. No quinto, está escrito: “Esta proposta foi terminantemente rejeitada pelo Presidente do Conselho Central [Alexandre Gonçalves Mendes]”.
         A Diretoria Executiva da Casas Pias procurou os órgãos superiores ao Conselho Central para tentar encontrar uma solução para o impasse. Na época, o Conselho Metropolitano estava com um presidente interino, por razões específicas, e, por isso, não pôde tomar qualquer decisão.
         O Conselho Nacional, segundo o ex-tesoureiro Erasmo Lima e Silva, fez na época uma auditoria “rigorosíssima” na intenção de encontrar descontroles administrativos. Mesmo com a ausência de irregularidades, o Conselho Nacional declarou-se favorável à saída da Diretoria da Casas Pias, que discordava do encaminhamento proposto. Um ex-dirigente disse que preferiu sair para não prejudicar o andamento da Casas Pias. “O que eu vou fazer em um lugar que não querem a minha presença. Enfrentar só iria piorar as coisas. O lugar é público, não é meu. Se fosse meu, ficaria.”

Acusação

         Além da decisão unilateral sobre a venda, segundo um ex-diretor da Casas Pias, o presidente do Conselho Central, Alexandre Gonçalves Mendes, manifestou vontade irredutível de administrar pessoalmente o dinheiro da venda, colocou seis parentes para trabalhar na obra e teria dado exclusividade da venda para uma imobiliária da cidade cujo proprietário faria parte do seu círculo íntimo de amizade.
         A atual presidente da Diretoria Executiva da Casas Pias, Ana Paula da Silva, é cunhada de Alexandre Gonçalves Mendes, que era assessor do vereador Jéferson Campos (PT). Porém, ele foi exonerado no dia 22 de agosto, quarta-feira. A assessoria de imprensa do vereador falou que a esposa de Mendes, chamada Alessandra, trabalha como voluntária no gabinete do petista e é a mais cogitada para ocupar o lugar do marido.

Outro Lado

         O vereador Jéferson Campos (PT) explicou que Mendes foi afastado por questões pessoais e sua exoneração não tem relação com a venda do imóvel. Sobre a afirmação da assessoria de imprensa, de que Alessandra seria a pessoa mais cogitada para ocupar o cargo vago, Jéferson negou e disse que é ele quem escolhe as pessoas.
         O presidente do Conselho Central de Taubaté da Sociedade São Vicente de Paulo, Alexandre Gonçalves Mendes, foi procurado na quarta-feira, 22, para falar das acusações apuradas por CONTATO. Por telefone, declarou que as responderia no dia seguinte, em nota divulgada à imprensa. Mas não foi o que aconteceu.
         No comunicado divulgado na quinta-feira, 23, Mendes não responde as acusações e alega que o motivo da venda é a estrutura antiga da Casas Pias: “[as estruturas] estando, naturalmente, com as suas edificações deterioradas, ultrapassadas, sem oferecer o mínimo conforto que os nossos internos merecem. Sendo absolutamente inviável, sob todos os aspectos, demolir as construções existentes e edificar novas instalações, o Conselho Central de Taubaté, dentro do que autoriza o seu Estatuto, alienou o imóvel que lhe pertence.”

Repercussão

         Não foram poucas as manifestações de espanto e discordância com a forma como foi decidida a venda a Casas Pias. Mais enfático foi, sem dúvida, o ex-prefeito José Bernardo Ortiz: “Quando assumirmos a prefeitura [depois das eleições de 2008], vamos anular esse negócio e decretar o imóvel de utilidade pública”.