Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

Bem que poderia ser só uma piada...

 

A resposta de um aluno do teceiro colegial foi o suficiente para que detonasse em JC Sebe a curiosidade a sobre o que se pensa a respeito do meu, do seu, do nosso querido Vale do Paraíba. Confira.

Indignado, um caro amigo, professor de língua portuguesa, mandou-me uma mensagem que dimensionava o seu desespero temperado com a falta de esperança no futuro dos jovens vestibulandos. A perplexidade vinha vazada na seguinte resposta dada numa prova do terceiro ano colegial de reputada escola de São Paulo que diz preparar “os futuros líderes do país”.


Questão: “Faça uma análise sobre a importância do Vale do Paraíba”
Resposta de um aluno: “O Vale do Paraíba é de suma importância, pois não podemos discriminar esses importantes cidadãos. Já que existem o Vale-Transporte e o Vale do Idoso, por que não existir também o Vale do Paraíba? Além disso, sabemos que os Paraíbas (sic), de um modo geral, trabalham em obras ou portarias de edifícios e ganham pouco. Então, o dinheiro que entra no meio do mês (que é o Vale), é muito importante para ele equilibrar sua economia”.


Fiquei estarrecido entre a leitura de uma possível piada e a gravidade da lógica do tal “aluno”, e, entre o riso e o desapontamento, precisei de um tempo para pensar melhor. Tentei, aos poucos, me acalmar e aspirei o equilíbrio. Para tanto, logo apelei para os bons exemplos de alunos que conheço e que não cometeriam tal barbaridade, mas, não tive com ocultar certa inquietação.


Não foi apenas o desconhecimento do nosso Vale que me afligiu. Não. Sinceramente, a ousadia da explicação fez-me ligar o sinal de alerta máximo contra o atual estado de coisas. Ao decompor o termo “Vale do Paraíba” e dar um quilate diferente às palavras “vale”, “do” e “Paraíba”, o estrategista aluno fez uma exegese que preocupa menos pela ousadia interpretativa e mais pela improvisação com que fundamenta tal besteira. Fora o preconceito contra os Paraibanos (não “Paraíbas”) que estariam fadados a trabalhar “em obras ou portarias de edifícios e ganham pouco”, há mais o que ver na afirmativa do estudante.


Aprofundemos o caso: há um olhar de classe social na resposta de alguém que vê o outro por meio de uma perspectiva estratificada, congelada e hierárquica. Isto, diga-se, fica patente, sobretudo, ao mostrar a leitura da palavra “Vale”. Perfeitamente inscrita em uma leitura de política paternalizadora, o “vale” concedido aos pobres seria uma espécie de passaporte à eternidade da pobreza. Enfim, poderia fazer tantas ilações sobre esta infeliz resposta que gastaria o seu tempo de leitor e o meu de cronista para chegar a lugar nenhum. Aliás, é sobre a questão do lugar do Vale do Paraíba na cultura nacional que resta falar.


Independentemente das banalidades justificadas pelo aluno, cabe questionar de maneira mais arguta sobre o nosso papel, de valeparaibanos, no panorama geral do país. Afinal – e esta questão guarda um sabor de fatalidade – será que somos tão desconhecidos a ponto de mesmo no estado de São Paulo não termos reconhecimento regional? Teríamos razões para motivar o delírio do candidato ao vestibular?


O Vale do Paraíba, o nosso “querido torrão de tantas tradições”, com dizia o saudoso Emilio Amadei Behring, tem um lugar definido na percepção nacional brasileira. Será? Confesso que ando preocupado com isso.


Recentemente, em conversa com amigos, em um lançamento de livro, questionei sutilmente sobre o que cada um sabia do meu Vale querido. As respostas foram vagas. Uns, historiadores, lembravam Lobato, Georgina Albuquerque, Rodrigues Alves. Outros, mais musicais, falavam de Renato Teixeira, Mazzaropi, Celly Campelo, alguns lembraram de Alckmim e houve até alguém que disse que era uma região bonita que ficava entre São Paulo e Rio, a serra da Mantiqueira e a do Mar. Voltei triste para casa. E resolvi escrever esta crônica como desafio: o que fazer para dar ao Vale um vale de reconhecimento nacional?


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