Por Paulo de Tarso Venceslau
Jorge Fernandes

Mentira ou incompetência?

A ponte Rio Comprido, sobre o rio Uma, tem muito mais mistérios do que se imagina. Além de ter sido construída em regime de urgência e sem licitação, agora a prefeitura sisite em afirmar e justificar que sob a ponte cabe um edifício de 4 andares em um vão de apenas 5,5 metros de altura.


Em um vão com 5,50m de altura a prefeitura contabiliza doze metros, altura de um prédio de 4 andares. Mentira ou incompetência?


Antonio Carlos Faria Pedrosa é o decano dos arquitetos do Vale do Paraíba. Com invejável experiência na área de planejamento, particularmente no Vale do Paraíba, Pedrosa é um apaixonado pelo que faz. Responsável pelo Plano Diretor de Taubaté, tornou-se um devoto das questões ambientais, principalmente quando o assunto é água. Hoje, investe na nobre missão de assegurar água para as futuras gerações de taubateanos. Muitos de seus amigos não entendem como uma mente brilhante como a de Pedrosa consegue suportar a mediocridade que reina no Palácio Bom Conselho.


Surpresa maior foi vê-lo na TV Câmara, na sexta-feira, 25, quando saiu em defesa da ponte do Rio Comprido, sobre o rio Una, recentemente construída em caráter emergencial pela prefeitura, que contratou, sem licitação, uma conhecida empreiteira local por um valor considerado muito elevado por especialistas ouvidos por CONTATO. Pego de surpresa, como alegou Pedrosa, durante a entrevista que deveria tratar do Plano Diretor que já deveria ter sido concluído, ele dispunha de mapas e tabelas exibidas pela TV, para justificar sua posição.


A tabela foi extraída de um estudo do DAE – Departamento de Águas e Esgotos do Estado de São Paulo – assinado pelo renomado Hirose Yamamoto, em 1957. Com base nessa tabela, Pedrosa afirma que a ponte não corre qualquer risco porque, quando as nove barragens selecionadas pelo arquiteto estiverem construídas, as águas não ultrapassarão a cota de 591,20 metros.


Em seguida, Pedrosa apresenta uma foto da ponte onde estão destacadas as cotas da sua parte superior destinada a veículos – 603 metros – e do terreno onde se apóiam as cabeceiras da ponte – 601 metros. Como as chamadas cotas milenares das águas represadas, ou seja, os níveis que jamais serão atingidos em condições históricas conhecidas de temperatura e pressão, não ultrapassarão os 591, 20 metros, a ponte estará a salvo ad aeternum.

 


Nossa reportagem foi medir a ponte: 1,50m de espessura


A palestra ocorreu em ritmo acelerado. Recebeu muitos elogios e algumas críticas. Os merecidos elogios partiam de um público ávido por informações e também curioso com a figura do palestrante. O tema “Aprendendo com líderes” foi abordado desde a idéia de que líder nasce líder até a conclusão de que a dinheiro não traz felicidade mas a felicidade traz dinheiro. Aproveitou a oportunidade para reforçar que o líder, para ser líder, precisa assumir riscos, estar disposto a quebrar paradigmas e aceitar as inovações.


Alguns dos críticos são experientes executivos empresariais acostumados com esse gênero de palestra. Mas os principais apontados pela crítica foram a excessiva referência à sua empresa, clientes e programa de TV assim como a abordagem política condescendente com Lula e George W. Bush.

Garota propaganda de plantão

Na terça-feira, 29, a vereadora Marilda Prado assumiu o papel de garota-propaganda do prefeito Roberto Peixoto. Sem o menor o cuidado de pesquisar o tema que seria objeto de seu discurso, a vereadora, que está com seu prazo de validade vencido, requisitou a entrevista do arquiteto Pedrosa para mostrar a falta de responsabilidade de uma imprensa que publica qualquer coisa.
Enquanto a vereadora discursava, o líder do governo e primeiro sobrinho do prefeito, vereador Carlos Peixoto balançava a cabeça afirmativamente. Revelava uma inusitada satisfação com o discurso da nova aliada. O discurso parecia muito bem ensaiado. E a representação da nova garota-propaganda surpreendia. Afinal, ela estava devidamente documentada com o trabalho muito sério feito pela equipe de Pedrosa.

Aos fatos

Na quarta-feira, nossa reportagem foi recebida pelo arquiteto Pedrosa que fez uma longa e brilhante preleção sobre a necessidade de unir esforços para construção das barragens no rio Una. Elas são necessárias – imprescindíveis – para formar o manancial que abastecerá Taubaté pelas próximas décadas ou séculos sem os riscos que existem nas águas do rio Paraíba responsáveis por quase 85% do nosso consumo.


Em seguida, entrou no assunto. Sua equipe, conforme revelara na TV Câmara, a pedido do prefeito Roberto Peixoto – depois de publicação sobre os equívocos que cercam a construção da ponte do Rio Comprido –, havia feito um minucioso estudo para saber se a ponte seria afetada. E apresenta os mesmo dados e mapas exibidos durante a entrevista que deu também para a vereadora Marilda Prado.


Os dados estão reproduzidos nessa reportagem. Qualquer vestibulando para o curso de engenharia é capaz de perceber as falhas gritantes.


Versão insustentável

Pedrosa afirmou e continua afirmando que a cota máxima da represa a ser construída não ultrapassará 591,2 metros. Como seus técnicos apuraram que as cotas são 603 metros na superfície carroçável e 601 metros o terrenos onde se apóiam suas cabeceiras, haverá sempre uma folga em torno de 5 metros entre o nível mais alto da água e a parte inferior da ponte.

Nossa reportagem, na mesma quarta-feira, apontou uma falha no raciocínio do arquiteto. Se a cota da ponte é de 603 metros e a cota mais alta da água não ultrapassará 591,2 metros, conclui-se que haverá uma margem de quase 12 metros.


Em seguida, nossa reportagem argumentou e Pedrosa concordou que hoje, em pleno inverno marcado por longa e prolongada estiagem, a cota do rio Una deve estar muito aquém do seu leito normal. Logo, haveria um vão igual ou superior a 12 metros entre a ponte e o leito do rio. Ou seja, uma altura correspondente a um edifício de 3 andares. Não é preciso ser engenheiro nem arquiteto para concluir que vão real é muito inferior ao que deveria ser.


Casa parciamente destruida pelas águas do rio Una.

Trabalho de campo

Na quinta-feira, 31, nossa reportagem dirigiu-se à ponte. Munidos de trena e máquina fotográfica, nossos repórteres mediram a altura do vão entre a ponte do Rio Comprido e o leito do rio Una: exatamente 7 metros entre o leito carroçável e o curso de água e 5,5 metros com base inferior da ponte. Se fôssemos engenheiros poderíamos terminar a investigação com o famoso CQD – como queríamos demonstrar – ensinado pelo saudoso professor Jaime Viana, do velho Estadão.

 


As reportagens de CONTATO constatou que as marcas da enchente ainda estão visíveis - o volume da água chegou a 1,60 de altura causando prejuízos aos moradores locais. Enquanto isso isso, estes mesmos moradores cobram investimentos de prefeitura para o PAMO do bairro do Registro. A construção da ponte da Estrada do Rio Comprido revoltou a população local, que afirma ser uma obra desnecessária.


Mais grave, porém, pasmem!! foi a descoberta de que o leito do rio Una está quase cinco metros acima da cota máxima apontada por Pedrosa. Essa prova material já foi constatada “teoricamente” na quarta-feira. Nossa reportagem fez duas perguntas que receberam respostas esclarecedoras de Pedrosa.


Quando perguntado se o levantamento topográfico – que resultou nas cotas indicadas nas fotos apresentadas pela própria prefeitura – havia sido realizado por pessoas de sua equipe, nossa reportagem ouviu de um constrangido Pedrosa: “Foi feito por técnicos da prefeitura”.
E, finalmente, quando lhe foi perguntado se seria a prefeitura ou Hirose Yamamoto que teria errado, Pedrosa respondeu orgulhoso: “Yamamoto não erra!”


Se a vereadora Marilda Prado não acreditar nas fotos que ilustram essa matéria e quiser comprovar todos os dados aqui apresentados, pode convidar nossa reportagem que aceitará com prazer medir novamente o vão da ponte. Poderemos também apresentar o único produtor rural localizado depois da ponte, assim como experientes lavradores que não medem palavras para profetizar que as pedras no entorno da ponte não resistirão às primeiras águas. Basta olhar o nível das águas registrado nas paredes de casas humildes, muitas das quais foram destruídas pelas águas e que não receberão qualquer ajuda da prefeitura.

 

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