Por Padre Fred
Volta pra casa

Depois de quase quatro anos na terra de Shakespeare e dos Beatles, Padre Fred retorna a Taubaté e manda seu recado: “Embora eu ache que desde que minha mãe morreu não sinta mais que tenha, propriamente, uma casa, a minha volta a Taubaté não deixa de ser uma volta pra casa.”


Padre Fred retorna com saudade da casa da mãe


Foram três anos e oito meses de Londres. Lá eu não me sentia em casa. Morei de favor numa casa paroquial onde, na igreja da frente, uma vez por semana – domingo de tarde – eu celebrava uma missa em português para os brasileiros. Como aumentou muito o número de brasileiros após a minha chegada, os bispos de Londres nos deram uma igreja vazia (ou ociosa?) com uma bela casa paroquial ao lado. Cabe aqui uma explicação. O número de fiéis aumentou não porque eu tenho charme ou appeal. É que meu antecessor era um jesuíta espanhol que falava português – e até bem. Mas, seu sotaque dava nos nervos e fazia rir os brasileiros que não iam embora.


Quando eu cheguei, de brasileiro pra brasileiro, aquilo lá foi enchendo de gente, tanto que tivemos que nos mudar. A Igreja estava bem estragada fisicamente. Os brasileiros fizeram grupos de mutirão e estão deixando aquilo lá lindo. As missas se multiplicaram e começamos a mobiliar a casa. Uma verdadeira mansão vitoriana de quatro andares. Embora aconchegante e até quentinha, não era a “minha casa”.


Fui feliz lá e realizamos muitas coisas. Mas o tempo passou, o contrato venceu, che-garam então três substitutos – já que o serviço aumentara – e, à medida em que eles foram perdendo o medo da língua inglesa, eu pude começar a me arrumar pra vir embora. Isto aconteceu agora na segunda semana de agosto.


Voltei para o meu apartamentozinho na Anízio Ortiz... mas parece que mesmo ali, não é ainda a minha casa. Não é ainda ou não é mais a minha casa. Casa da gente é a casa da mãe da gente, mesmo que a gente vá ser padre ou se case mesmo que casado, tenha a nova casa com a esposa e os filhos. O sentimento de casa mesmo é com relação à casa da mãe. Isto não é imaturidade e muito menos complexo de Édipo.


Mas, quantos maridos reclamam que não podem tirar um cochilo na cama após o almoço porque vai desmanchar a cama? Não pode ler o jornal na sala porque a sala já está arrumada, não pode ler no banheiro porque até os netos querem usar o banheiro do quarto do casal – normalmente o mais confortável – mesmo que a casa tenha dúzias de banheiros.


Enfim, quantos que deixam pra ler o jornal no barbeiro, no clube ou no ônibus.... isto pra não falar das brigas por causa da tampa do vaso sanitário ... do último pingo de xixi que sempre cai no chão... do copo que após ter bebido água fica em cima da pia... os óculos que você deixa uns instantes em cima do móvel e quando você volta já foi pra alguma gaveta... e assim vai... e mesmo o padre, que mora sozinho ou tem uma governante...


A geladeira tem tudo o que a governante gosta de fazer ou de comer... mas aquele doce de leite feito durante horas, em que a mãe da gente perdia tempo mexendo no fogão ... isto nunca mais: agora é só bolo de cenoura ou de fubá.... gelatinas e musses... quando tudo o que a gente queria era aquele bolinho de “vira cambota” que a mãe da gente fazia de tarde, com café preto bem quentinho, na caneca de ágate, especialmente nas tardes de chuva... voltei pra casa, mas que saudades de minha mãe.
Mas eu não posso reclamar. Voltei e encontrei o carinho de tanta e tanta gente que me quer bem e todos só têm uma frase nos lábios: “onde é que você vai ficar?” Ficar pra jovens é tipo namorar, ficar pra padre é onde você vai celebrar.


Onde a gente encontra você? Se eu precisar... onde eu encontro você? É interessante a “amizade” que a maioria tem com o padre. O padre fala tanto lá na frente e, no meu caso, que falo muito eu me abro muito... de repente todo mundo sabe dos meus segredos e partilha comigo a minha dor. Embora, da grande maioria, eu nem veja o rosto e nem saiba o nome. Mas eles são meus amigos... eles sabem de minha história, de meus sentimentos e do que trago no fundo do coração. Eu posso não reconhecê-los, mas eles sabem quem eu sou... e se precisarem de mim, eles precisam saber onde vou ficar. E todos eles trazem na consciência, de maneira inconsciente: e se você precisar de mim e só falar...


Estou experimentando este tipo de intimidade anônima de maneira muito forte, es-pecialmente agora, depois de ter ficado estes quase quatro anos fora. Foram quase quatro anos, mas nada mudou o tipo de nosso relacionamento: eu ainda sou o amigo deles e eles são meus amigos. Talvez seja isto que muitos dos que me estão agora lendo estão sentido. No fundo, no fundo, a gente é íntimo... a gente se ama. E eu sinto que alguns até estarão dizendo: como é que você não tem casa? Como é que você não se sente em casa? Venha pra minha casa.


Por isso venço as saudades de meu pai e de minha mãe e, mesmo morando num a-partamentozinho vazio e frio, eu posso dizer: que bom.
Depois desta aventura na Inglaterra, finalmente, eu voltei pra minha casa!



 

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