Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

EUCLIDES E ANA DA CUNHA: (DES)AMORES LORENENSES.


Mestre JC Sebe reencontra um livro que o remete ao Colégio São Joaquim, de Lorena, e a picantes episódios que envolveram Euclides da Cunha e sua bela esposa Ana que a “cada vez que enlaçava um novo par” e aumentava as diferenças do casal.

Dia destes, estava na Biblioteca Nacional fazendo pesquisa sobre a tradição oral dos botos amazonenses quando mexendo no catálogo manual encontrei referência a um livrinho que havia lido há muito tempo: “Euclides da Cunha em Lorena”, de autoria do Dr. Gama Rodrigues. A publicação da Faculdade Salesiana de Ciências e Letras de Lorena, de 1952, caiu-me como um presente como, aliás, ocorre de quando em vez em investidas a bibliotecas, arquivos e sebos. Anotei o número do index e pedi o texto que logo estava em minhas mãos.


Era um exemplar pouco visto, ainda com algumas páginas coladas e isto me dava sensação de redescobrir mundos. Tendo escrito tempos atrás sobre o mesmo tema senti, contudo, emoção nova. A surpresa veio na medida do desejo de rever temas ligados ao Colégio São Joaquim. Confesso que havia algo de maroto em minhas lembranças, pois estudante daquele internato, sempre via maravilhado a mesa, a cadeira e os móveis do escritório daquele “monstro da literatura brasileira”. E ficava encantado com a sobriedade da “Sala Euclides da Cunha” inaugurada nos idos de 1952. Havia mesmo algo de litúrgico na contemplação do material.


Lembro-me inclusive do olhar grave do padre Leôncio, repetindo que ali, naquela mesa, tinham sido revisados os originais d’Os Sertões. Devorei as páginas do escrito que fora apresentado quando da inauguração da Sala. Filtrei as palavras ajuizadas do Dr Gama Rodrigues e constatei que não há como deixar de lado o preconceito que levava o admirador de Euclides a declinar insinuações sobre o fatídico caso de amor que colocou termo trágico na história da família da Cunha.


Tendo residido em Lorena entre 1901 e 1903, funcionário público lotado no cargo de Engenheiro Chefe do Segundo Distrito de Obras Públicas, apesar da sede ser em Guaratinguetá – onde projetou e acompanhou a construção da Ponte do Pedregulho – Euclides preferiu morar em Lorena onde seus filhos poderiam estudar no colégio dos padres salesianos.


Dr. Gama Rodrigues descreveu o engenheiro e escritor com palavras cortantes, como quem entalhava madeira resistente: “estatura média, tez morena, cabelos duros, lisos e negros, desengonçado nas atividades, brusco nos gestos, desarranjado no trajar”. Tantos “qualificativos” mostravam um Euclides estranho ao meio, soberbo e áspero “neurastênico, arrogante, metido a saber de tudo, de difícil prosa”.


As dificuldades da personalidade do perpetuador das façanhas de Canudos se estendiam à família e assim filhos e mulher, a belíssima Ana Ribeiro, mãe de três meninos, seriam uma espécie de vítima do gênio amargo.


Ana, descrita como vivaz e dona de exuberância carioca, fora mostrada como pessoa “alegre, risonha, comunicativa”. Não sem uma pitada de maldade, Dr. Gama Rodrigues destacava o prazer de Ana que “gostava de conversar, sobretudo com os homens, largas conversas ruidosas, abordando todos os assuntos, embora, sempre pela rama”.


De maneira surpreendente, o opúsculo deteve-se nas questões do relacionamento do casal. Situações periclitantes e brigas públicas apontadas e a mostra de uma mulher fútil, que gostava de roupas de cores fortes, perfumes caros e chamativos, ambientavam uma situação que mais tarde iria terminar na grave troca de tiros ocorrida com um amante dela, depois da volta de Euclides ao Rio, na Estrada Real de Santa Cruz.


Ao dizer que em um determinado baile Ana fora em companhia do marido e que “apesar de mãe de três filhos, dançou toda a noite, com visível e agoniada contrariedade do marido” semeava a base do que seria o desfecho da vida do casal. A picardia do Dr Gama Rodrigues salientou que a “cada vez que ela enlaçava um novo par, para mais uma valsa, ou mais uma polca, Euclides sentado a um canto, taciturno e desolado, esfregava as mãos em desespero e reprovação”. Essa visão fortalece a hipótese de que os anos vividos no Vale do Paraíba extremaram as diferenças do casal e foram fundamentais para que a morte de Euclides da Cunha fosse uma espécie de epílogo de desamor.

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