Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


O pânico que tomou conta de São Paulo, por ocasião do ataque perpetrado pelo crime organizado contra postos policiais, fez Sebe recordar a Guerra dos Mundos de H. G. Wells e as letras (premonitórias?) de duas músicas – um funk e um rock – que pareciam anunciar 11 de setembro de 2001 e 15 de maio desse ano.

Estava em São Paulo no fatídico dia 15 de maio último. Doeu muito me sentir parte de um acontecimento que vai entrar para a história trágica do país como um dia de pânico ou, parodiando um dos lemas da cidade, o dia em que São Paulo parou. Preso no trânsito por duas horas, trocava observações com o motorista do táxi que, por sua vez, estava preocupado com a família. Sequer os celulares funcionavam e isto dimensionava o caos gerado pelo congestionamento, medo e apreensão.
Vendo aquilo tudo acontecer, veio-me à cabeça o velho livro de H. G. Wells “A Guerra dos Mundos”, de 1938. Naquela trama, a Terra era invadida por marcianos, donos de uma civilização bem mais desenvolvida que a nossa. Li esse livro, ainda garoto, depois que soube que o insuperável Orson Welles em seu programa radiofônico em Los Angeles tinha aprontado uma brincadeira de conseqüências inimagináveis, em pleno clima de preparação para a Segunda Guerra. Em 1938, a população estava alarmada com a iminência da deflagração dos conflitos mundiais que estourariam no ano seguinte.
Em programa de enorme audiência, Welles simulou um ataque de marcianos. Tão realista era o relato que, tensa com os acontecimentos do contexto, a população entrou em desespero coletivo. Deu-se um corre-corre formidável. O que era uma ficção, de repente, gerou uma histeria incontrolável que se disseminou como rastilho de pólvora. Em pânico, a população começou a fugir dos “invasores” e num instante a cidade virou um pandemônio. São Paulo estava perto daquilo, garanto.
Passado o susto do tal 15 de maio, voltada a normalidade dos dias, entre avalanches de explicações afeitas ao acontecimento uma chamou a atenção porque soava como espécie de premonição do que aconteceu. Um grupo de música Punk, Os Inocentes, fez um rock intitulado nada mais nada menos que Pânico em SP.

A canção escrita em 1981 serviu de manchete para o jornal Notícias Populares quando em 1983 houve um tremendo quebra-quebra na cidade. A manchete alardeava Pânico em SP, Profecia Punk se realiza. Passados tantos anos, repetida a agitação popular, aquela letra exibe sua atualidade. Vejamos o que diz e pensemos na “coincidência”:
As sirenes tocaram/As rádios avisaram/Que era pra correr/As pessoas assustadas/mal informadas/Puseram a fugir... sem saber porque/Pânico em SP, pânico em SP, pânico em SP/O jornal, a rádio, a televisão/Todos os meios de comunicação/Neles estavam estampados/O rosto de medo da população/Pânico em SP, pânico em SP, pânico em SP/Chamaram os bombeiros/Chamaram o exército/Chamaram a Polícia Militar/Todos armados até os dentes/Todos prontos para atirar/havia o que/Pânico em SP, pânico em SP, pânico em SP/Mas o que eles não sabiam/Aliás o que ninguém sabia/Era o que estava acontecendo/Ou que realmente acontecia/Pânico em SP, pânico em SP, pânico em SP/Pânico em SP”. Não é incrível?!
Lembrei-me também de outra música, de 1999, que carregava o mesmo sabor de, digamos, adivinhação maldita. Quando fazia a pesquisa para o meu livro sobre o dia “11 de setembro: a queda das torres gêmeas de Nova York” (Companhia Editora Nacional, SP, 2005), descobri, em vez de um rock profético sobre SP, entre uma série infindável de coincidências, um funk chamado, imaginem, Em Setembro.
A música era uma faixa extra no álbum Pela Paz em todo o Mundo, do grupo Cólera . Ao lado do título que pode até soar irônico porque previa os acontecimentos de Nova York em 2001, havia também uma espécie de mensagem passada pelo nome do álbum. Um trecho da letra diz “vai nascer, vai morrer, acontecer…em setembro... só poeira e sangue… em setembro... tentam enquadrar o mundo no código penal, nasce o terrorismo…em setembro”. Não é assustador? Se não, pelo menos abre um convite para que pensemos melhor no significado da música popular e seu impacto social na memória coletiva.

| home |

© Jornal Contato 2006