Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


Brasileiro leva tudo na gozação. Faz piada até sobre a miséria nacional. Mestre Sebe selecionou vinte provérbios, ditos populares, piadas escritas até em banheiros, para reforçar suas conclusões.

Dia destes caiu-me às mãos um texto insólito do pernambucano Mario Souto Maior Folclore etc e tal, publicado pelo Instituto de Pesquisas Sociais da Fundação Joaquim Nabuco, em 1995. Foi um bom lenitivo para o cansaço de trabalhos pesados que estou escrevendo. Suas considerações abriram-me uma estrada para pensar algumas coisas afeitas à cultura popular e principalmente ao significado de ser pobre na cultura brasileira. Já conhecia este folclorista que faz par com Câmara Cascudo e, portanto, se situa entre os melhores do país.
Registrador de tradições curiosas como orações para casamentos, remédios caseiros, letreiros de caminhão, dentre tantos temas, porém, detive-me com cuidado na lista sobre a condição da miserabilidade nacional. A recolha feita em conversas, provérbios, ditos populares, misturou-se ao discurso destilado em situações corriqueiras, piadas e escritos em logradouros públicos inclusive em banheiros. Selecionei vinte para nossa consideração:

- Pobre só enche a barriga quando morre afogado.
- Rico sai de casa e pega o carro; pobre sai de casa e o carro pega.
- Pobre só engole frango quando joga de goleiro.
- Pobre só come carne quando morde a língua.
- Pobre é como punho de rede: só anda com a corda no pescoço.
- Ladrão que entra na casa de pobre só leva susto.
- Pobre só sai do aperto quando desce do ônibus.
- Quando o rico corre é atleta e quando o pobre corre é ladrão.
- Pobre é como pneu velho: só vive na lona.
- Pobre quando mete a mão no bolso só tira os cinco dedos.
- Pobre só vai pra frente quando a polícia corre atrás.
- Pobre só recebe convite quando é intimado pela polícia.
- Coceira na mão do pobre é sarna e na mão do rico é dinheiro.
- Rico fica gordo e pobre fica inchado.
- O rico bebe para se lembrar e o pobre para esquecer.
- Pobre é como papel higiênico. Quando não está no rolo está na merda.
- Deus dá o pão, mas o pobre não tem dentes.
- Pobre só herda sífilis.
- O pobre é como limão: nasceu para ser espremido.
- Pobre é como cachimbo, só leva fumo.

Mas que lições tirar deste elenco? Muitas. Antes, porém, a mais importante: o humor positivo que existe na cultura nacional. Fazendo piada da desgraça, cria-se um mecanismo de defesa que de certa forma dignifica o miserável e a miséria de maneira a permitir um posto positivo para a auto-estima. Algo como “a pobreza gera o riso” é melhor do que “a pobreza deprime”.
Mollat, importante intelectual francês, afirma que todas as sociedades têm seus bandidos, prostitutas e pobres. Esta verdade, contudo, sugere que o enfrentamento da condição social seja contextualizado no jeito de ver o mundo. Enquanto grande parte da humanidade filtra os grupos subalternos como “classe perigosa” e então exalta o pathos (patológico), nós os miramos sob a perspectiva do ethos ou seja a cura. Logicamente não cabe divinizar a pobreza ou colocá-la numa redoma que a aceita incondicionalmente. O que nos distingue é que mesmo respeitando a proposta de “luta de classes”, conseguimos brincar com as desgraças. Talvez esta seja a grande lição do Brasil ao mundo: não assumimos a pobreza como solução de vida, mas não destituímos a honra de nossos pobres.
Lembro-me da canção de Marguerite Monnot, sucesso nos anos 1950, “com os pobres de Paris aprendi uma lição, a fortuna encontrei no meu coração”. Se fosse adaptá-la ao Brasil diria que apesar de tudo “com os pobres do Brasil aprendi uma lição, a fortuna encontrei na gozação”.

| home |

© Jornal Contato 2006