Por Paulo de Tarso Venceslau

Bastidores de um furo jornalístico
Soraya Aggege, autora da matéria “Ex-dirigente do PT revela: Valério ia arrecadar R$1 bi no governo” que botou lenha na fogueira quase apagada do escândalo do mensalão, é, há seis anos, repórter da sucursal de São Paulo do jornal O Globo.

Em 1990, conheci Soraya em Campinas. Era foca do Correio Popular, um diário daquela cidade. Ficamos amigos. Em 1997, já como repórter, veio à Taubaté para conversar comigo a respeito do Partido dos Trabalhadores e de minha experiência em duas grandes prefeituras: Campinas e São José dos Campos. Da conversa descompromissada, saiu uma longa entrevista.
Dias depois, antes mesmo de a entrevista ter sido publicada, fui procurado pelo jornalista Luiz Maklouf de Carvalho, do Jornal da Tarde. Como havia dado uma entrevista não publicada pelo Estadão, do mesmo grupo do JT, fiquei com um pé atrás. Condicionei a entrevista ao compromisso de que a mesma seria publicada na íntegra. Maklouf concordou. Veiculada alguns dias após a publicação no jornal de Campinas, a entrevista para o JT marcou o início de uma longa história que ainda não se encerrou. O último episódio foi minha acareação com Paulo Okamoto, coletor de recursos não contabilizados para o PT, conhecido como doador universal, presidente do Sebrae, amigão e pagador das contas pessoais do presidente Lula.
Quando descobri que Soraya Aggege era autora da bombástica reportagem com Silvinho “Land Rover” Pereira, ex-secretário nacional do Partido dos Trabalhadores, procurei-a para lhe pedir uma entrevista exclusiva para o Jornal CONTATO. Depois de muitas peripécias, localizei-a, por celular, na sala de embarque do aeroporto de Guarulhos. Estava a caminho de Viena para fazer a cobertura da participação do presidente Lula na reunião de cúpula dos líderes da Comunidade Européia com os da América Latina e Caribe.
Diante da precariedade da situação, Soraya sugeriu que eu usasse seu depoimento publicado naquele dia, em O Globo. Abusei de minha amizade e pedi-lhe uma foto. Terminei minha conversa com o telefone do namorado Renato que gentilmente enviou as fotos aqui publicadas.
Soraya conta que começou quase por acaso a reportagem que reanimou o escândalo do mensalão. A idéia era fazer um perfil de Silvio Pereira, o Silvinho, o ex-secretário-geral do PT, no aniversário de um ano da crise. Sabendo que ele não estava atendendo o telefone, a repórter foi ao seu apartamento.
A repórter conhecia Silvinho porque “cobriu” durante anos o Partido dos Tabalhadores. Sua matéria desencadeou pânico no PT, a CPI dos Bingos convocou o ex-secretário para depor na quarta-feira, 10. Abaixo, o relato de Soraya, perdigueira da notícia, publicado em O Globo de terça-feira, 9.

A história de uma manchete

“Como Silvinho andava sumido, procurei petistas que pudessem me contar um pouco mais sobre ele. Muitos desconversaram, outros falaram mal de Silvio. Era como se ele fosse uma doença que foi extirpada do partido, que agora só quer esquecê-lo. Na quarta-feira passada, fui ao seu apartamento e fiquei surpresa ao ser autorizada a subir. Silvio me recebeu muito bem e, depois de pensar um pouco, aceitou conversar. Após uma hora, disse que esperava uma visita e pediu que eu saísse. Deixei o número de meu celular e argumentei que seria importante uma matéria com a versão dele sobre o mensalão. Dez minutos depois ele me telefonou e disse que seu compromisso fora adiado e que iria falar. Eu fazia perguntas pontuais sobre a crise e ele respondia. Quando não queria falar, fazia silêncio e mudava de assunto. Após longa conversa, recebeu uma ligação e me disse que voltaria a me procurar. Silvio me telefonou pela segunda vez na quinta-feira. Levei uma cópia do material que tinha reproduzido. ‘Você captou tudo muito bem, está muito preciso. Essa é a mais absoluta verdade. Vai ser um escândalo.’ Mas pensou um pouco, ponderou que a crise estava quase resolvida e que não era um bom momento para publicação da entrevista. E me propôs fazermos um livro. Eu concordei, mas disse que, como repórter, não poderia omitir aquelas informações (a maior parte já estava na Redação). Telefonei para o chefe da Sucursal, Germano Oliveira.
Avaliamos que era inegociável. Então, Silvio começou a passar mal: ficou pálido, implorou para que a entrevista não fosse publicada, disse que prometera à família não falar mais com a imprensa, que temia enlouquecer, porque a CPI e a PF voltariam a abordá-lo e que ele não suportaria novas pressões. Disse que havia gente muito poderosa envolvida em tudo e que poderiam matá-lo. Não sei se para me impressionar, mas disse em seguida que o melhor era se matar. E ficou descontrolado. Jogou a mesa no chão, quebrou objetos e pediu várias vezes que eu o desculpasse, que não era nada comigo, que entendia muito bem o papel da imprensa. Pediu que eu buscasse ajuda, que estava passando muito mal. Saí atrás do porteiro e, no caminho, encontrei uma moradora que me ajudou a chamar uma ambulância. Voltei com o porteiro: mais uma vez o Silvio me pediu desculpas e disse que tudo ficaria bem. O porteiro me ajudou a pegar minha bolsa e pediu que fosse embora. Mais tarde, ele telefonou para que não me preocupasse, pois Silvio estava com amigos e se sentia melhor. Devolveria meu material no dia seguinte. Só devolveu os cigarros e o aparelho celular. Documentos que ele mesmo havia me dado e um caderno de anotações ficaram por lá.”

 

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