Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


Mestre Sebe, estimulado por Machado de Assis, nos regala com uma bem humorada seleção de pensamentos pesquisados ao longo de suas leituras.

Aos que escrevem dissertações e teses sugiro que leiam sempre algum bom autor. Na relação, e em primeiro lugar, Machado de Assis. Claro, sensível e elegante, como ele ninguém se apresentou ao público fluindo palavras e enredos apaixonantes. E acho que, em nossa cultura, dificilmente outro será tão prezado.
Pois bem, dia destes, para distrair de temas áridos que ocupam minha cabeça de aprendiz de escritor, puxei da estante o Memorial de Aires e me deparei com uma frase que me fez parar a leitura: “chego aos meus sessenta e... não escrevas todo o algarismo, querido velho; basta que o saiba teu coração e vá sendo contado pelo Tempo no livro de lucros e perdas”. A força arrebatadora deste pensamento me fez ir a um caderno onde, ao longo dos anos, anoto frases capitais que se me formulam como uma espécie de guia. Eis algumas que me fazem pensar na topografia da vida e na necessidade de sair do plano mínimo da existência.
Longe de ser espiritualista, aprendi respeitar uma religião capaz de sentenciar os seguidores com ponderações contundentes como esta: “cada um terá que dar conta da inutilidade voluntária da sua existência”, de Allan Kardec. Como é fatal isto!
Aliás, sobre a ética da vida tenho outra passagem que mais que me arrebatar, faz supor a inevitabilidade da consciência de nossos atos, Millor Fernandes escreveu: “viver é desenhar sem borracha”. Como isto é verdadeiro.
Ainda na linha da moral da existência, selecionei, faz tempo, uma outra máxima, desta feita destilada da sabedora árabe “os homens são como tapetes: às vezes, precisam ser sacudidos”. O grande frasista e autor inglês Oscar Wilde pontificou que “muitas vezes, quando pensamos que estamos experimentando nos outros, estamos, na verdade, experimentando em nós mesmos” e assim, propõe limites à nossa capacidade de ver nos outros aspectos bons ou negativos que não vemos em nós mesmos. Nesta mesma senda, recordo-me de Rubem Figgot ao dizer que “não gostamos nos outros aquilo que detestamos em nós mesmos”, e, como não reconhecer isto?
É verdade que muitas destas frases são de efeito lógico, mas algumas o fazem com humor incontido. Imaginemos, por exemplo, que o grave alemão Goethe disse “você se conhece? Eu me conheci e saí correndo”. Independentemente da picardia, porém, há autores, como é o caso do pensador italiano Norberto Bobbio, que extraindo moral da história afirma que “o labirinto nos ensina não é onde está a saída, mas quais os caminhos que nos levam a lugar nenhum”.
A sentença dada em favor do sofrimento sugere outra citação, também fatal, de Otto Lara Resende que, costurando a apologia da infância com a ação consciente da vida, contrasta a experiência da apatia dizendo que “uma criança vê o que um adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de tão visto ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher. Isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença”.
Mas há também trechos que selecionei que falam de amor. Nesta linha, correm alguns dos meus favoritos dizeres. Guimarães Rosa não poderia faltar e dele tenho esta tirada: “qualquer amor já é um pouquinho de saúde”. E sobre o risco da entrega ao amor, do cancioneiro nacional, selecionei uma passagem que me é bastante querida: “deixe que o beijo dure, deixe que o tempo cure”, seus autores, Jorge Drexler e Zélia Duncan, assumem a inevitabilidade da paixão e suas compensações na desilusão marcada pelo tempo que tudo apaga. Complemento desta “lição”, recortei duas frases de Lacan quem são preciosas, uma bem humorada e outra inscrita na gravidade do moderno pensamento psicoanalítico: “não deixe para amanhã a dieta que você pode fazer adiar hoje” e “todo o saber é defesa contra o desejo”.
É evidente que não poderia terminar sem o registro de outras frases. Na verdade apoio-me em duas que se enlaçam num beijo de despedida. Pierre Marivaux recorda que “escutar bem é quase responder” e Wilson Mizner arremata afirmando que “se você rouba idéias de um autor, é plágio. Se rouba de muitos autores, é pesquisa”.
Meus caros leitores, espero que ao escutar estas palavras eu tenha respondido a algumas questões pessoais e que considerem o que fiz nesta crônica foi relatar uma pesquisa, não plagiar vários autores.

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