Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

A história mostra que o uso político da paixão nacional em Copa do Mundo nunca trouxe benefício eleitoral para presidentes e ditadores.

Dizem que há relação íntima entre futebol e política. Não são poucos aqueles que prognosticam sucessos eleitorais depois dos resultados conseguidos nos campos, em particular em campeonatos mundiais. Os argumentos quase sempre celebram as virtudes ufanistas nacionais como forma de classificação em disputas que atraem os olhos de todos os quadrantes do globo. Chega mesmo a ser mecânica a associação entre a vitória das Seleções com a afirmação positiva dos governos que se legitimariam nos gramados sob as bênçãos de gols.

O lustro na auto-estima renderia votos. Principalmente em tempos de Copa do Mundo quando se dá o embate entre o campeonato mundial e as eleições, não faltam aqueles que decretam que se a Seleção ganhar os candidatos do governo teriam maiores chances de também vencer. Em 2006, teremos tanto a Copa do Mundo como as eleições presidenciais e parlamentares e desde logo, retraçam-se os paralelos. E nenhuma outra disputa política vai merecer tanta atenção como esta, pois o que está em juízo é mais do que a definição do Presidente, novo ou velho, ou dos deputados e senadores, estreantes ou reeleitos.

O julgamento público do PT estará em questão e com ele a experiência democrática político-partidária do pós-ditadura. E não faltam os que afiançam que se o Brasil, favorito, vencer, as chances do atual governo melhoram. Será? Um olhar no passado põe em cheque este pressuposto rasteiro ainda que consagrado. Vejamos:

No agitado ano de 1958, quando vencemos o primeiro campeonato na Suécia, lançando o então menino Pelé, depois de um conturbado, mas regenerador mandato onde fermentavam na opinião pública acontecimentos como: construção de Brasília, industrialização “multinacionalizada”, cinema novo, vitórias esportivas, com tudo isso somado, JK, o “Presidente Bossa Nova” teve seu candidato derrotado para Jânio Quadros, que obteve 48% dos votos contra 32% dados ao Marechal Henrique Lott.

Em 1962, quando o Brasil vencia nos campos chilenos, o então Primeiro Ministro Tancredo Neves viu-se obrigado a renunciar com seu Gabinete e o substituto eleito, Santiago Dantas, foi vetado pelo Congresso Nacional.

O tricampeonato, na IX edição da Copa do Mundo em 1970, na Cidade do México, se deu em plena ditadura política. Pela primeira vez a competição era transmitida ao vivo. Mas o fato do Brasil ter vencido todos os jogos, com 19 gols memoráveis e com a consagração de Pelé como “Rei do futebol”, não favoreceu o governo do General Médici. Apesar do uso exagerado da máquina de propaganda - que divulgava sua imagem com um radinho de pilhas torcendo pela Seleção -, o general teve naquele momento a primeira manifestação contrária à ditadura, feita pela opinião pública que não aceitava a manipulação.

Paradoxalmente, a Taça Jules Rimet – dada definitivamente ao Brasil que fora o primeiro país tricampeão – foi roubada naquele mandato e provavelmente depois fundida para venda em barra de ouro.

Em 1994, no tetra, vencido nos Estados Unidos, apesar de ganharmos nos pênaltis, o que garantiu a vitória de FHC não foram os gols e sim o combate à inflação engendrado por Itamar Franco. No pentacampeonato, em 2002 no Japão/Coréia, feliz ou infelizmente, quem venceu o candidato do governo, José Serra, foi Lula apesar das celebrações patrocinadas por Brasília.

Não sabemos dizer se será bordada a sexta estrela na camisa canarinho. Na mesma correlação, não é válido supor quem ganhará as eleições. Mas convém ficarmos atentos à história e avaliar os candidatos mais pelos seus programas do que pelos esperados gols em gramados alemães. Tomara que o governo Lula não imite ditadores que tentam se apropriar da alegria do povo. E que renasça a esperança em dose dupla: que vença o Brasil e o candidato que tiver melhor projeto de recuperação da moral brasileira.

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